O presente trabalho visa destacar as passagens nas quais o léxico erro aparece em Corpo de Baile, de Guimarães Rosa, compreendendo o vocábulo enquanto escolha intuitiva do autor para construção e tratamento epistemológico dado às trajetórias seus herois. O trabalho apresenta uma leitura a contrapelo do erro trágico, defendendo que nesse ciclo a percepção de um engano e as questões éticas que dele decorrem, constituem o argumento rosiano de Corpo de Baile. A pesquisa procurou compreender de que forma essa escolha lexical responde à necessidade dos herois rosianos refutarem a si próprios, amparados pela emoção, e não exclusivamente pela razão. Se, por um lado, o método cartesiano de eliminação da dúvida e sua indelével conclusão - “Penso, logo existo” - coroa as faculdades cognitivas; por outro, pensadores contemporâneos alegam o desempenho das emoções em situações de impasse. Na medida em que desfaz o erro de Miguel através da presentificação de Diotima nas reflexões de Leandra, Guimarães Rosa, em “Buriti”, atualiza o diálogo platônico, O Banquete. Da hýbris trágica à noção filosófica de eudaimonia, Rosa aproveita as palavras de sacerdotisa Diotima para as reflexões de Leandra. Porém, mais do que desfazer na contemporaneidade um conflito outrora trágico, o autor ilustra no conjunto Corpo de Baile uma teoria da vontade humana mais harmônica com o imponderável.
Última narrativa de uma sequência de sete novelas de Corpo de Baile, “Buriti”
encerra o ciclo rosiano, resgatando no protagonista Miguel o menino Miguilim, de “Campo
Geral”. O que motivaria Guimarães Rosa a empreender a travessia das sete narrativas,
quando decide abrir e fechar o conjunto Corpo de Baile com o mesmo herói? Na tentativa de
responder ao mistério da personagem principal, o presente trabalho detecta na ocorrência do
léxico erro em ambas as histórias um índice hermenêutico: se, quando criança, Miguilim omite
o bilhete do Tio à Mãe; adulto, Miguel se cala ao conhecer Maria da Glória, como salienta Luiz
Costa Lima: “A fala que se trocam é a fala das reticências, da palavra pouco explicitada”.
Segundo a tradição hesiódica, o deus Eros “doma no peito o espírito e a prudente vontade”.
Solidária à angústia amorosa, outra personagem feminina é convocada - Leandra. Sob o
patrocínio da virilidade na etimologia do nome, a estrangeira acusará a obsolescência de um
patriarcado que exige fertilização. Será Diotima, a sacerdotisa que legou a Sócrates a função
e o sentido de Eros, quem mais se fará presente nas reflexões de Leandra. Na medida em
que atualiza o diálogo platônico, O Banquete, Guimarães Rosa reverte o erro de MiguilimMiguel:de
uma inicial hýbris à cara noção de eudaimonia. Porém, mais do que desfazer um
conflito outrora trágico, o autor esboça em “Buriti” uma teoria da vontade humana solidária à
divindade que preside o desejo erótico.