A tese se dedica à escrita de Guimarães Rosa sob a perspectiva da inarticulação: atenta às ocasiões em que a língua é levada a seu limite intensivo, ao se deixar atravessar sobretudo por vozes animais (grunhir, uivar, grasnar, piar, balir, sibilar, chiar, etc.), ruídos naturais (vento, água, fogo, etc.) e pelo registro musical. Explorando os modos singulares com que Rosa trabalha sonoridades investidas de forças anárquicas e criadoras, o estudo mostra que um dos traços mais relevantes em sua obra é trazer à tona a experiência de inarticulação da linguagem. Tal experiência manifesta-se como lugar privilegiado de desestabilização das fronteiras habitualmente pressupostas entre o que se convencionou chamar, de um lado e de outro, língua e vida - revelando o corpo material da língua como condição irredutível para que se descortinem vínculos intensivos com as coisas através da literatura. O pensamento contido na própria forma como Rosa trabalha a sua língua é posto em diálogo com as reflexões de Gilles Deleuze/Felix Guattari sobre a língua intensiva, e com as considerações de Friedrich Nietzsche acerca da experiência dionisíaca da música. Assim orientada, a tese se compõe de três ensaios. O primeiro aborda a inarticulação da língua na novela Buriti, de Corpo de Baile, em leitura centrada na personagem Chefe Zequiel e nos modos pelos quais sua sensibilidade auditiva prodigiosa capta micro-percepções sonoras da noite e as transfere para uma língua à beira de se tornar guincho, uivo, assovio do vento. O ensaio seguinte mostra o paralelo existente entre o retorno do ruído na música contemporânea, capitaneado pelo músico John Cage, e a invasão da escrita pela infinita gama de sonoridades não dicionarizadas de que se compõe a obra de Guimarães Rosa. Elabora-se ainda, em correlação com a analogia musical aí desenvolvida, uma interpretação da pouco comentada novela A estória do homem do Pinguelo, de Estas Estórias. Por fim, o terceiro ensaio apresenta a aliança entre poesia, música e inarticulação da língua no cerne do projeto literário do escritor mineiro. Oferece-se aí uma visão do processo criativo de Guimarães Rosa como transmutação de forças e afectos presentes nos sons antes da articulação, em uma língua poética em íntimo enlace com a musicalidade. Também se propõem, nessa ocasião, leituras de Cara-de- Bronze, de Corpo de Baile, e de Duelo, de Sagarana.