Proponho uma leitura do conto “Intruge-se”, que faz parte de Tutaméia: terceiras estórias, de João Guimarães Rosa. Trata-se de uma paródia de conto policial ambientado no sertão e protagonizado por vaqueiros que traziam uma boiada do Saririnhém quando se deparam com um crime. O protagonista não é um policial, mas o capataz Ladislau, que se encarrega de descobrir qual dos vaqueiros teria esfaqueado Quio. O conto recusa atender qualquer expectativa de um método ou de um raciocínio dedutivo que costumam ser os pontos fortes de um investigador, como nos contos realizados e teorizados por Edgar Allan Poe; e essa distorção faz o sentido da narração deslizar do investigador para a alegoria do autor que assinala o caráter cindido do sujeito e questiona o prestígio dado a ele nas sociedades modernas. A paródia do conto policial em “Intruge-se” integra um conjunto de contos de Tutaméia que propõem uma alegoria do autor. Esse artigo elaborará uma análise da paródia e da alegoria no conto de Rosa segundo a recusa da transparência da linguagem da qual trata Barthes com base na afirmação freudiana de que o caráter cindido do sujeito correlaciona-se à dualidade do signo. A investigação desarrazoada de Ladislau encena a perspectiva do autor que recusa padrões de representação realista como os utilizados no conto policial. O autor avalia o gênero conto como interferência no conto policial e aproxima-o da estória ou de uma invenção cujo valor consiste em intervir nas convenções narrativas para liberar a produção de sentido.
Partindo de uma entrevista concedida por Guimarães Rosa ao crítico alemão Günter Lorenz, este artigo pretende analisar a poética do escritor brasileiro, baseando-se na relação entre o autor e sua obra. As declarações de Rosa sobre a criação literária e o papel do escritor serão confrontadas com suas narrativas, especialmente “Campo Geral” e “Cara-de-Bronze”, pertencentes ao ciclo de novelas de Corpo de Baile. A discussão terá como base o polêmico tema da “morte do autor”, revisitando os ensaios de Roland Barthes e Michel Foucault sobre o assunto, cujo radicalismo será matizado por
Dominique Maingueneau, que propõe uma solução mais próxima do pensamento de Guimarães Rosa: uma poética formada pela confluência entre o autor e sua obra.