No ano em que se comemora o cinquentenário de morte do escritor Guimarães Rosa, o presente artigo objetiva discutir de que modo a questão do sagrado se faz presente na coletânea de contos que compõe a obra Sagarana, do escritor mineiro. A proposta de leitura que aqui se apresenta será feita tendo por princípio a noção de sagrado que é defendida pelo poeta e teórico mexicano, Octavio Paz, que vê o sagrado e a poesia como exemplos de revelação poética. O livro Sagarana, primeira publicação literária de Guimarães Rosa, é composto por nove contos, no entanto, neste artigo se pretende dialogar com apenas três narrativas, por acreditar que uma leitura de todos os contos exige um trabalho de maior extensão e fôlego que requer algo além dos limites de um artigo. As narrativas objetos de interlocução aqui, portanto, são: A hora e vez de Augusto Matraga, São Marcos e Corpo fechado.
Vamos questionar como a Natureza se deixa-viger na poética de Alberto Caeiro e Guimarães Rosa. Manuel Antônio Castro, poeticamente, afirma que “os conceitos são o aborto das questões” (CASTRO: 2007, 04), assim sendo, apesar de Caeiro ter se firmado como poeta e Rosa, como prosador [publicou um único livro de poemas – Magma ], usaremos a denominação poética para dialogarmos com a produção textual destes dois pensadores da modernidade, não só por sermos refratários à imposição de conceitos dicotômicos e abortivos, mas também, por acreditarmos que mesmo sem grandes sagacidades literárias, é possível apreender que a prosa de Rosa é tão carregada de poesia quanto os poemas de Caeiro. Octavio Paz argumenta – “A linguagem, por inclinação natural, tende a ser ritmo. Como se obedecessem a uma misteriosa lei de gravidade, as palavras retornam à poesia espontaneamente.” (PAZ: 2006, 12) Seguramente a prosa de Rosa é um retorno constante à poesia.
Este artigo tem por objeto dois contos do livro Sagarana, o primeiro é São Marcos, e o segundo, Corpo Fechado. Nosso objetivo é analisar o imaginário afro-brasileiro de João Guimarães Rosa, mineiro do sertão de Cordisburgo. Na análise das obras, serão utilizados os referenciais teóricos que dizem respeito às estruturas do imaginário, às conceituações de magia brasileira nas ambiências dialógicas entre o dito e o feito, mas também na tradição histórica da temática de ritual e feitiço a partir dos clássicos, Claude Lévi-Strauss e Marcel Mauss, assim como os contemporâneos Bronislaw Malinowski e Yvonne Maggie. Nosso desafio é analisar o imaginário afro-brasileiro em seus usos da reza, magia e feitiços, retratados ficcionalmente por Guimarães Rosa nos contos São Marcos e Corpo Fechado, ambos formam um breve retrato de nossa afro-brasilidade, e uma oportuna leitura da cultura e religiosidade popular no sertão mineiro e brasileiro.
Por meio da análise do conto “São Marcos”, da obra Sagarana, de Guimarães Rosa, objetiva-se refletir sobre o modo como a magia molda e constrói perspectivas de fé, crença e tabu na localidade de Calango-Frito, em cujo espaço social são compartilhadas diferentes percepções a respeito do crédito a simpatias e feitiçarias, consideradas aqui como ritos mágicos. Com o aporte teórico principal de Claude Lévi-Strauss (1970) e Marcel Mauss (2003), propõe-se que a magia está arraigada ao oculto e, por vezes, ao inexplicável, fazendo-se presente na cultura popular sertaneja como tradição repassada de gerações anteriores. De um modo geral, as práticas de magia inseridas em “São Marcos” têm papel significativamente social, servindo como recurso alternativo às necessidades mais diversas da comunidade representada por Guimarães Rosa.
Propomos neste trabalho fazer, primeiramente, uma breve leitura do conto São Marcos de João Guimarães Rosa e, em seguida, um diálogo de aproximações entre esse conto e o Evangelho de São Marcos. Os dois textos discorrem sobre fé e religiosidade, tendo a crença como forma única de salvação. No primeiro texto, o protagonista, cético e ao mesmo tempo supersticioso, passa por uma experiência de transformação. O que o salva é a fé na palavra, na oração de São Marcos. Já no segundo texto, o evangelho, é resumida uma parte da história de vida de Jesus, a partir do seu batismo até sua ressurreição e nesse percurso vários milagres e curas efetuados por Jesus são narrados como exemplo de fé incondicional.
Abordagem do aspecto lúdico da narrativa rosiana, considerado a partir do estudo da "mimese como não imitatio", proposto por Luiz Costa Lima, e do texto ficcional como lugar de criação e destruição da "ilusão do real" (R.B.). Prioriza-se no plano do enunciado a problemática do pensamento mágico (ou lúdico), tomado aqui como forma simbólica entre as outras formas de representação social, com rápida incursão pela análise das relações de poder no texto. No plano da enunciação são observados os recursos utilizados para a dinâmica do jogo textual, capaz de engajar autor e leitor na construção de uma narrativa isenta de pretensões totalitárias.
Reflexão quanto à linguagem rosiana em seu relacionamento com a poesia e o contexto através do estudo das peculiaridades e do potencial da palavra que, na frase e no interior do sistema de travamento do texto, ganha diversidade, riqueza e explica-se em beleza e sentido.
Neste artigo, pretende-se analisar a trajetória do protagonista do conto “São Marcos”, que faz parte da obra Sagarana (1979) de João Guimarães Rosa, sob a perspectiva da descoberta da magia e da poesia. João/José desloca-se do espaço habitado de Calango-Frito em direção ao local distante e solitário do mato para encontrar-se com a natureza e realizar seu rito de passagem. Quanto mais João/José afasta-se desse espaço, mais as descrições ocupam papel relevante na narrativa. O tempo passa a ser percebido pela movimentação do protagonista na natureza e o espaço forma-se lenta e detalhadamente. A descrição deixa de ser um dos elementos da narrativa e passa a ocupar o centro dela, estando impregnada de minúcias que corroboram a interpretação do significado da narrativa e do rito de passagem pelo qual passa o protagonista.
O discurso das poesias de Manoel de Barros e o das narrativas de Guimarães Rosa constroem estilos poéticos erigidos, em muito, a partir do tropos imagético. Em Barros, a metáfora instaura – valendo-se de rupturas semânticas, fragmentação de frases, montagem caótica de versos, ausência de semelhança causal entre as coisas – significação que subverte o real como denúncia da coisificação do homem por sociedade desumanizadora
que precisa, urgentemente, ser modificada, subvertida, revolucionada. Em Rosa, a metáfora surge, quase sempre, na reiteração de imagens, embalada por onomatopeias, crispada por neologismos, amplificada por subversiva sintaxe, em jogo lúdico que exprime o ethos poético e a ética do autor. Este artigo analisa em paralelo o estilo dos dois autores, examinando – em suas obras – a elaboração do jogo metafórico e respectivos efeitos de sentido.
A década de 1950 é apontada pela historiografia literária como responsável pela criação literária paradigmática de uma tradição poética e narrativa, cuja acentuação pelas formas orais, pela extravagância, pela vocalidade, pela movência dos textos, pelo caráter artesanal da comunicação, promove um deslocamento cultural e existencial do narrador/poeta, em relação às técnicas industriais. Esse choque cultural e existencial vai gerar os versos e "estórias" mais estrambóticos da literatura brasileira: de um lado, a tradição do ethos lúdico, da configuração mítica, da alegoria; de outro, a exigência de um leitor experto. Esse viés estrambótico perpassa toda a obra de Guimarães Rosa.
In his article "Guimarães Rosa's 'São Marcos' and Race and Class" Paulo da-Luz-Moreira analyzes a pivotal short story in João Guimarães Rosa's oeuvre. Published in Sagarana, Guimarães Rosa's first short fiction collection, "São Marcos" has an extremely complex structure in its juxtaposition of layers of idiosyncratic and careful ethnographic and literary erudition, making the story a challenge to critics and readers alike. Guimarães Rosa worked exhaustively on this unique piece that touches with disconcerting openness on issues of strained racial and class relations in Brazil and expounds on the power of language and on the delicate point upon which one's identity, beliefs, and social class hinge. da-Luz-Moreira argues that "São Marcos" is a seminal text that suggests a potential social contract based on respect and humility in Guimarães Rosa's description of Brazilian society and where the characters represent protagonists in most of his fiction -- jagunços, cowhands, posseiros, agregados, ex-slaves, gypsies, beggars, vagrants, children, prostitutes, and other marginal figures -- whom Guimarães Rosa never demonized or idealized, but observed and described lovingly.
João Guimarães Rosa (1908-1967) é considerado um dos nomes de maior atuação e
reconhecimento no cenário de revitalização da linguagem literária. Tendo em vista a
extensa utilização de neologismos em sua narrativa e a maneira como tal uso refletiu
mudanças características no cenário literário brasileiro, este artigo busca verificar e
analisar os itens lexicais compreendidos como neologismos, tanto vocabulares quanto
semânticos, em seu conto “São Marcos”, publicado na obra Sagarana (1946). Nessa
perspectiva, pode-se observar o processo de criação da narrativa em estudo,
compreendendo a importância do uso de determinados vocábulos em sua construção,
assim como a relevância do estudo do processo de neologia lexical.
O artigo faz relações entre o pensamento de Schopenhauer e a literatura de Guimarães Rosa a partir das idéias da compaixão e do sofrimento formuladas pelo filósofo alemão.