O presente artigo discute como a linguagem performativa constitui, na obra de João Guimarães Rosa, uma estratégia discursiva que se presta à valorização da língua oral, bem como à adoção dessa variedade linguística como elemento de constituição (e construção) da nacionalidade. E, como tal, toma-se como objeto de estudo o conto “Meu Tio o Iauaretê”, da obra Estas Estórias, do aludido autor. Nele, a oralidade desponta num procedimento performático que consegue definir e caracterizar uma das variedades de uso efetivo de uma mesma língua – a oral –, na mesma medida em que consegue contemplar várias outras possibilidades que compõem o repertório linguístico de uma nação/sertão. E, nesse sentido, o trabalho poético – numa obra que se quer em prosa – constitui um dos mecanismos adotados por G. Rosa para garantir evidência e notoriedade a uma das modalidades linguísticas que caracteriza a língua efetivamente potencializada em uma dada região específica (sertão) da nação brasileira.
A partir da constatação do valor polissêmico do signo verbal, Guimarães Rosa, no conto “Famigerado” do livro Primeiras estórias, traz à baila a reflexão sobre o poder do discurso letrado e o eterno desejo do homem de tomar posse do conhecimento. Com base nesse conto, este trabalho pretende meditar sobre a faculdade do discurso de malear a palavra, dobrando-a de acordo com conveniências preestabelecidas. Dessa forma, o domínio da palavra será examinado como estratagema simbólico para imposição de uma concepção de mundo mais em consonância com interesses de grupos ou classes que exercem as prerrogativas de senhores do saber.
Visa-se a discutir como a obra de João Guimarães Rosa consegue ser um instrumento
de resgate e de valorização da língua oral. Partindo da perspectiva de que a
oralidade – desde mais precisamente o século o XVI – sempre fora descartada e/ou
marginalizada por uma política de prestígio ou mesmo pela produção acadêmica, a
obra de Rosa desponta como uma amostra de que a língua só se justifica enquanto
discurso efetivo; enquanto prática inserida num dado contexto social ou mesmo numa
dada circunstância. Nesse sentido, o autor faz uso de procedimentos reconhecidos por
uma tradição acadêmica como mecanismo de evidenciar (ou validar) outra tradição: a
língua oral. Mais precisamente neste artigo, adotam-se alguns contos das obras Primeiras
Estórias e Tutameia, do aludido autor, como forma de elucidar como G. Rosa,
mediante recursos tipicamente poéticos (tradição literária), consegue fazer da tradição
oral uma modalidade linguística que merece ser reconhecida e, por conseguinte, digna
de se ver representada pela tradição acadêmica. O escritor mineiro busca, dessa maneira,
através de uma tradição, resgatar outra tradição: a oralidade. Assim, a obra de
Rosa disponibiliza para a língua oral um espaço efetivo e, portanto, representativo na
produção ficcional brasileira.
O presente artigo traz em seu bojo o papel inusitado que Guimarães Rosa confere aos prefácios quando da construção e estruturação da obra Tutameia. Discute-se como a(s) temática(s) e estruturação da referida obra já se revelam pela organicidade dos prefácios: os motivos já se delineiam em quatro narrativas que funcionam, a um só tempo, como prefácios e como histórias que complementam o repertório dos quarenta contos que compõem a obra. Vislumbra-se, desse modo, como tais prefácios conseguem amalgamar reflexões, pistas de leitura e escrita, metalinguagem, histórias e estórias, conservando, simultaneamente, a integridade (dos prefácios e demais narrativas) e a garantida dos elementos constitutivos do todo de obra que é Tutameia. Jogo performativo esse com que o prosador nos dá uma amostra de obra que não só questiona o próprio fazer literário, como também reflete e nos apresenta amostra(s) de vida, que – assim como a obra – apresenta seus inesgotáveis motivos que merecem (e devem) ser lidos.