Análise da narrativa ficcional “A terceira margem do rio”, de João Guimarães Rosa, presente em Primeiras estórias (1962), como figuração ficcional do materialismo histórico, categoria desenvolvida por Karl Marx e Friedrich Engels, exposta e desenvolvida em quase toda a obra teóricas de tais pensadores, sobretudo em A sagrada família (1844), e Ideologia alemã (1846), e a ideia de utopia, considerando, principalmente, a obra Utopia (2016), de Thomas Morus. Usa-se, também, os conceitos de regimes da arte, de Jacques Rancière, em A partilha do sensível (2009), para tecer a relação entre a obra literária analisada, os usos do signo utopia, e como estes podem ser interpretadas, dentro e fora da literatura, tendo em vista o materialismo marxista como método de análise de todas as correlações presentes neste trabalho.
Este trabalho apresenta uma análise de Grande sertão: veredas, publicado em 1956, de João
Guimarães Rosa, e invoca, como principal fundamento, a antropofagia de Oswald de Andrade.
O romance, suas personagens e o que juntos realizam, imbricados na narrativa, são entendidos
como titulares da natureza de um Outro. Alteridades que, do lugar de margem em que estão,
perturbam ideias estabelecidas e igualmente o fazem com a materialização destas em um
rosto/agente soberano. Importunam, mas também avançam: deglutem, ruminam e expelem,
transformando o padrão em uma síntese específica, original, insólita. Nesta ordem, este estudo
argumenta que são antropofágicas: a trama central, as personagens principais e a faceta política
destas duas. Do ritual canibal dos nativos de Pindorama, depois como metáfora do pensamento
filosófico oswaldiano, até alcançar os cafundós onde vivem Riobaldo, Diadorim, Hermógenes,
Deus e o diabo, a selvageria revolucionária da antropofagia está, também, conforme argumenta
esta dissertação, no fundo do sertão de Rosa. De lá, devora tudo, contando com as contribuições
de Bolívar Echeverría, György Lukács, Jacques Rancière e Sigmund Freud.