O presente artigo busca fazer uma leitura do conto “Desenredo” de João Guimarães Rosa,
onde se verifica que, embora se trate de um texto escrito, há a presença de um narrador oral.
Ou seja, o texto se mostra rico em marcas da oralidade, dispersas no discurso do narrador,
constituindo-se, desta forma, uma espécie de texto para ser ouvido em vez de lido. Esta marca
se acentua quando se percebe que há, no conto, a presença de um narratário que é designado
como os “ouvintes”. Procuramos mostrar que esse texto contrapõe duas culturas, a oral e a
cultura do mundo letrado. Entretanto, o homem pertencente ao universo iletrado não é visto
de forma exotizada como fizeram grande parte dos escritores que se dedicaram à literatura
regionalista. Ao contrário, Guimarães Rosa busca valorizar o homem com seus sentimentos,
dúvidas, desejos, não importando a que universo ele possa pertencer.
A arte de Guimarães Rosa faz-se a partir da ?situação narrativa?, definida por Gerard Genette como um dos aspectos do texto narrativo cujos dois protago- nistas são o narrador e o narratário. O narratário é um destinatário imediato do discurso do narrador que interfere no texto de forma, ora mais, ora menos, explícita. Empregando a terminologia de Genette, buscamos realizar uma leitura do conto ?Se eu seria personagem? a fim de perceber qual é a função reservada ao narratário dentro da situação narrativa.
No conto “Curtamão”, de ‘Tutaméia (terceiras estórias)’, de Guimarães Rosa, o narrador marca a presença do narratário. Ou seja, propõe-se a contar, mas inclui, neste ato, a imprescindível participação de uma segunda pessoa, atuando juntamente com ele. Nosso trabalho busca pontuar, neste conto, a importância do narratário e sua participação ativa na construção do discurso do narrador. Também analisamos como, a partir desta estruturação, o texto se volta para o próprio ato de narrar, ressaltando o processo de criação artística de modo geral e a importância do papel ativo do destinatário da arte para a concretização desta como tal.
O objetivo deste texto é discutir como o narrador de “– Uai, eu?”, de Guimarães Rosa, conduz a narração sobre o crime que cometera e como esta forma de narrar, dirigida a um narratário,
seu advogado, possibilita ao leitor perceber a ambiguidade de seu discurso e refletir sobre sua culpa. Para tanto, empregamos a terminologia de Gerard Genette e as considerações teóricas sobre o narratário de Gerald Prince
Centro de Letras e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Letras
Nosso trabalho trata da análise de alguns contos da obra Tutaméia (Terceiras Estórias) de João Guimarães Rosa, com vistas à figura do narratário. Para tanto, procuramos mostrar a importância desta categoria da narrativa que pouca atenção recebeu até hoje por parte da crítica literária e que, fazendo-se presente de forma, às vezes mais, às vezes menos, explícita, no texto, interfere significativamente na construção do discurso do narrador. A relação de comunicação entre narrador e narratário situa-se no nível do enunciado do texto. Assim, buscamos também reconstruir uma outra relação de comunicação que se situa no nível da enunciação, que é a de enunciador e enunciatário, mostrando sempre o papel ativo que se reserva a este último, o qual se constitui num co-autor do texto. Nossa pesquisa discute ainda como, na obra em questão, o diálogo entre narrador e narratário pode conduzir o leitor ao nível da enunciação, onde é possível entrever questões relativas ao próprio ato de narrar, bem como sobre o processo de criação da ficção narrativa e, em alguns contos, da criação artística de modo mais geral. São seis os contos selecionados para análise, tendo como critério de escolha a presença do narratário mencionada no discurso do narrador: “Antiperipléia”, “- Uai, eu?”, “Curtamão”, “Desenredo”, “Se eu seria personagem” e “Reminisção”. Para o desenvolvimento deste trabalho, o referencial teórico principal é a terminologia de Gerard Genette sobre a narrativa, de Gerald Prince sobre o narratário e o conceito de dialogismo de Mikhail Bakhtin, sendo que este último nos auxilia na análise da relação de comunicação entre enunciador e enunciatário.