Propõe-se neste artigo uma análise das relações entre fragmentação e ideologia nas Teses sobre a filosofia da história, de Walter Benjamin, e no Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa. Em que pesem as diferenças importantes de foco e estilo entre essas obras, os dois escritores guardam em comum a coerência entre a matéria do seu compromisso crítico e a estruturação fragmentária com a qual teceram cuidadosamente os seus textos. No romance de Rosa, isso se evidencia pela construção do enredo e os aforismos que pontuam momentos diversos da narrativa; nas teses benjaminianas, pela montagem das seções e das frases, infensas a uma harmonia e articulação estreitas que findariam por ocultar as contradições da própria realidade história. Com semelhante procedimento, tais
experiências buscam contribuir à crítica da ideologia e ao delineamento de espaços por onde ainda se insinuariam possibilidades utópicas. Não se excluem os aspectos trágicos do exercício, que manifestam a peculiaridade da recepção da cultura clássica nos dois autores.
O presente texto tem como objetivo analisar a obra Grande sertão: veredas de Guimarães Rosa, um importante nome da literatura brasileira. O fio condutor desta análise é o conceito de experiência presente no pensamento de Maurice Blanchot e Walter Benjamin. A experiência aparece aqui tanto para compreender o exercício da escrita, enquanto narrativa, como para compreender a relação do ser humano com o mundo. Nesta compreensão buscarse- a pensar a relação possível entre a literatura, filosofia e educação, em um diálogo constante com a própria vida.
Embora essencialmente um contador de estórias, Guimarães Rosa desenvolveu um estilo muito sofisticado para construir suas narrativas, combinando o falar arcaizante do sertão com a dicção solene da tradição clássica e com os experimentos da vanguarda cosmopolita. Pesquisando seus arquivos, podem-se encontrar cadernos de anotações onde o escritor registrou versos populares, fragmentos de relatos de vaqueiros, estórias de fada, vocabulário típico da lida do campo, citações dos clássicos do bucolismo e informações dos viajantes naturalistas do século XIX. Uma leitura comparativa entre esse tipo de notas manuscritas e os contos publicados nos permite captar uma teoria da linguagem própria de Rosa, que corresponde, como ele mesmo dizia, a um tipo de técnica tradutória. Assim, para tentar explicar tal teoria é muito útil tomar de empréstimo de Walter Benjamin alguns conceitos e metáforas operacionais, uma vez que se pode surpreender uma impressionante semelhança entre o pensamento dos dois escritores.
A proposta deste texto é apresentar o escritor mineiro João Guimarães Rosa (1908-1967) como um fabulador que se conforma ao paradigma de “narrador” como problematizadopelo pensador alemão Walter Benjamim (1882-1940).
Este trabalho se propõe a investigar a possibilidade do conto “A terceira margem do rio”, de Guimarães Rosa (1908-1967), ser uma releitura poética do ensaio “Sobre o conceito de história”, de Walter Benjamin (1892-1940). Este, para criticar a noção de progresso, usa a metáfora do rio, em que a classe operária alemã estaria imaginando flutuar “com a corrente (...) na qual ela supunha estar nadando”. A noção do tempo como um rio "continuum" na história é substituída, pelo alemão, por uma história "como montagem", em que a função do historiador seria a de captar o acontecimento histórico em seu "relampejo fugaz", por meio da memória. No conto de Rosa a "canoa" do pai, representando a história, também surge em lapsos na recordação do filho, fixada momentaneamente em sua resistência à continuidade do rio (tempo). A tradição e o progresso não estão, respectivamente, atrás (passado) e à frente (futuro) no fluxo do rio, como pensavam os “historicistas”, mas nas margens, delimitando cada “tempo-de-agora” efetivamente vivido, tal qual a imagem de pensamento criada por Benjamin. Passagens de outros contos dos livros “Primeiras estórias” e “Tutameia: terceiras estórias” também são analisadas sob a perspectiva da hipótese de diálogo entre as obras de ambos. Adicionalmente, é realizado um levantamento de autores que já realizaram aproximações entre eles por diversas temáticas.