O presente artigo se propõe a analisar a representação da infância, a partir da figura da criança como protagonista, e a ocorrência de ritos de passagem nas obras de Guimarães Rosa e Clarice Lispector. Pretende-se traçar um paralelo entre os contos “Restos de carnaval”, de Lispector, e “As margens da alegria”, de Rosa, analisando os aspectos estruturais do enredo a fim de comparar a forma como ambos os contos abordam as transformações da infância. A ingenuidade diante de um símbolo é um marco inicial de um ciclo nas duas narrativas, e, quando confrontada, gera uma modificação em toda a atmosfera dos contos e nas percepções das personagens sobre a vida. O final das narrações é marcado pelo surgimento de um novo símbolo que revive a esperança nas crianças, marcando o início de um novo ciclo. As duas narrativas se assemelham tanto nos aspectos estruturais da narração quanto nos sentimentos resultantes dos acontecimentos ao longo do enredo.
O ensaio “A passos de barata, a saltos de onça” propõe uma discussão sobre a alteridade na literatura a partir da figura animal na obra de dois escritores brasileiros: Clarice Lispector (1920–1977) e João Guimarães Rosa (1908–1967). O estudo debruça-se mais precisamente sobre as obras A paixão segundo G.H., de 1964, e Meu tio o Iauaretê, publicado em livro em 1969, embora o texto tenha aparecido primeiramente na revista Senhor, em 1961. Entre estas duas narrativas, podemos encontrar a noção da figura animal e da alteridade determinadas nos anos sessenta. A dimensão de instantâneo será desenvolvida a partir da uma curta e intensa exposição dos narradores aos animais citados, a barata, no caso de Clarice Lispector, e a onça, no caso de João Guimarães Rosa, duas obras-primas, não apenas da literatura brasileira ou de expressão lusófona, mas também da história da literatura.
Este texto propõe que no coração da literatura brasileira encontra-se o pulsar de uma escrita auditiva, elaborada por autores que “escrevem de ouvido”. O objetivo é conceituar o termo “escrita de ouvido”, e descrever a forma que assume na prosa de ficção, em especial no romance. Machado de Assis, Clarice Lispector e Guimarães Rosa são os escritores centrais dessa pesquisa, que também se aplica a outros escritores-chave como Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Graciliano Ramos. Pensa-se pois o ouvido como um terceiro termo para além da dicotomia entre a fala e a escrita, o romance, como um espaço de escuta, e a autoria, como um lugar de recepção mais do que de producão. Busca-se assim contribuir para uma poética da ressonância e uma história aural da literatura escrita em português com acentos multilíngues.
El presente trabajo se propone abordar el problema de la representación de la animalidad en dos textos fundamentales de la literatura brasileña contemporánea, la novela breve A paixão segundo G.H (1964) de Clarice Lispector y el relato extenso “Meu tio o iauaretê” (incluido en Estas estórias de 1969) de João Guimarães Rosa. En ellos se narran experiencias de desubjetivación originadas por el establecimiento de una íntima e intensa relación con el mundo animal, el de los jaguares del sertão brasilero en el caso de Rosa y el de una simple cucaracha doméstica en el de Lispector. Aunque desde tradiciones de pensamiento y poéticas disímiles, ambos relatos arriban a imaginarios de la animalidad muy próximos, en los que la representación de ese territorio desconocido es inseparable de la creación de espacios transicionales. En estos espacios la identidad humana es puesta en cuestión a través de tres movimientos disolutivos: el replanteamiento de la clásica oposición entre hombre y animal, la invención de una ‘perspectiva animal’ –que nunca se alcanza completamente– y la búsqueda formal de los umbrales del lenguaje humano. Intentamos reflexionar aquí acerca del modo en que ambos textos piensan y dan forma literaria a esos límites, a esas zonas de pasaje.
Para Edward Said, intelectual é aquela figura cujo desempenho público não pode ser previsto nem forçado a enquadrar-se numa linha partidária ortodoxa ou num dogma rígido. Em As representações dos intelectuais, no entanto, ele se confessa desanimado com essa percepção, pela tendência que observa nesta classe de promover a alta cultura, deplorando o “homem comum” e a cultura de massa. Neste artigo, discutimos brevemente as estratégias de posicionamento crítico e autocrítico de Guimarães Rosa e de Clarice Lispector frente ao problema, a partir de uma abordagem comparativista do conto “A hora e a vez de Augusto Matraga” e da crônica “Um grama de radium – Mineirinho”.
O objetivo geral dessa pesquisa foi analisar a representação das personagens femininas em cinco obras da literatura brasileira: A Menina Morta de Cornélio Penna, Crônica da Casa Assassinada de Lúcio Cardoso, Corpo de Baile de Guimarães Rosa, O Lustre de Clarice Lispector e Cabra-Cega de Lúcia Miguel Pereira. Na primeira parte deste trabalho, capítulo um e dois, procuramos demonstrar como a ideia inicialmente arquitetada para o projeto foi transformada ao longo do processo de desenvolvimento da pesquisa, conforme realizávamos as leituras que compõem o referencial teórico desta tese. No terceiro capítulo analisamos os textos literários que compõem o corpus desta pesquisa, em específico, procuramos observar as personagens prostitutas e tentamos demonstrar como, durante muito tempo, a construção da prostituta como uma mulher que usufrui de liberdade sexual e social, uma mulher livre dos afazeres, serviu como uma ferramenta que contribuiu para acentuar o lugar marginal a que foi destinada na sociedade. No quarto capítulo nos dedicamos a discutir o quanto as personagens adúlteras são as verdadeiras opositoras ao sistema patriarcal, mulheres que ao corroerem a principal base do patriarcalismo, a família, abalaram toda a sociedade patriarcal.
O duplo enquanto representação da dualidade humana participa do imaginário popular desde épocas remotas. Esse conceito relacionado à fragmentação da identidade humana tem chamado cada vez mais a atenção da crítica literária, tema que se relaciona diretamente com as discussões cada vez mais atuais sobre o estudo de gêneros, com destaque para o Feminismo, já que as mulheres por muito
tempo foram vistas como sexo inferior, ficando à mercê de um tratamento diferenciado e relegadas a uma posição social de serventia e obediência aos homens. Nesse contexto, é comum a criação de uma dualidade no sujeito subtraído, gerando uma desordem íntima formada pelo conflito entre a posição que lhe era conferida historicamente e socialmente contra sua própria personalidade e
individualidade. Neste trabalho, buscamos analisar o duplo nas protagonistas femininas de contos brasileiros e estadunidenses tendo a morte como elemento de transformação. Como suporte teórico, nos embasamos nos trabalhos de Brandão (2006), Bravo (1997), Foucault (1995, 2004a, 2004b), Mello (2000), Zolin (2009), dentre outros. Para o tratamento analítico dos contos, utilizamos o método de estudo descritivo e o comparativo, isso porque, após a exposição dos contos, realizamos um cotejo entre os contos a serem estudados no sentido de encontrar afinidades e divergências entre eles com o intuito de verificarmos a forma como essas narrativas dialogam, especialmente no que se refere ao tratamento dos temas duplo, identidade, feminismo e morte. Os resultados mostram que todas as protagonistas analisadas fazem uso de uma máscara metafórica que é assumida perante a sociedade patriarcal na qual estão inseridas. A criação e o uso dessas máscaras, porém, divergem de acordo com a narrativa, pois, algumas das personagens femininas apresentam atitude ativa em relação ao masculino, agindo contra ele de modo a alcançarem o empoderamento, enquanto outras, devido à postura passiva que adotam, não alcançam o empoderamento e acabam por ser vítimas dessa inatividade.
Esta dissertação apresenta um estudo analítico-interpretativo do olhar como metáfora a partir da visão infantil dos personagens principais das narrativas “Campo Geral”, de João Guimarães Rosa, e “Miopia Progressiva”, de Clarice Lispector. Em ambos os casos, o protagonista é um menino míope que interpreta o mundo a partir dos olhares lançados para o ambiente e para as pessoas que o cercam. Esses “olhares” relacionam-se a outros significados e campos de abordagem, transpassados por diferenças conceituais entre a percepção captada pelo órgão olho – seja ela uma visão real ou distorcida pelo distúrbio visual – e a percepção subjetiva de cada sujeito, marcada pela ligação singular que ele estabelece com a realidade e o outro à sua volta. Em todo caso, tanto na narrativa de Rosa quanto no conto de Lispector, a miopia é apenas mais um dos muitos aspectos analisados e analisáveis que convergem para a mesma tensão dialética, tendo a “curta visão” como forma metafórica de uma linguagem polissêmica que expressa as dissensões do homem no mundo. Ainda que caracterizadas pelo estilo e pela linguagem única de cada autor, é possível traçar algumas similaridades entre as duas obras, como o interesse na abordagem do universo infantil, o tema da maternidade e, sobretudo, a relação complexa entre o universo externo e o universo interno estabelecida pelos protagonistas, espaço este no qual nem tudo parece ser aquilo que se apresenta aos olhos. À luz da psicanálise, sobretudo a lacaniana e o seu conceito de “deslizamento do significante”, a questão do olhar ganha contornos que remetem, por sua vez, a outros significantes.
Centro de Letras e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Letras.
O presente estudo aborda a ficcionalidade da narrativa em primeira pessoa. O ponto de partida para a reflexão empreendida aqui é a teoria elaborada por Hamburger, para quem a primeira pessoa seria fingimento, e não ficção. Refletindo sobre tal teoria, adota-se aqui o conceito de ficção elaborado por Iser, mas com atenção também para outros teóricos. A ficção é vista como uma espécie de jogo, em que cada obra cria suas regras de acordo com a intencionalidade do autor e as possibilidades de recepção, pelo leitor. A narrativa em primeira pessoa, pelas especificidades técnicas que desenvolveu, sobretudo a partir do início do século XX, aparece como uma intensificação daqueles elementos que desvelam a natureza fictícia da obra. Aborda-se, assim, o foco narrativo e o tempo como sendo, dentre esses elementos, aqueles que exibem com maior intensidade essa natureza. Após uma visão sobre as teorias acerca da ficção, aborda-se a transformação operada nesse foco em direção a formas que se evidenciam como ficcionais. A análise de três obras representativas da moderna literatura brasileira especifica modos diversos de o ficcional revelar-se.
Quando um escritor se expressa, deve se decidir entre uma série de escolhas, tais como quais palavras/expressões usar ou como deve ser a pontuação da leitura. Essas escolhas definem as características individuais do escritor e a estilometria é o estudo quantitativo desse estilo de escrita. A proposta deste trabalho é conseguir identificar os livros de dois escritores com estilos bem definidos, Guimarães Rosa e Clarice Lispector, por meio dos atributos léxicos de seus textos: frequência de letras, frequência de palavras e TF-IDF. A comparação dos atributos é feita pela distância euclidiana, similaridade cosseno e similaridade de Jaccard. Os resultados mostram que o uso do conjunto de palavras com similaridade de Jaccard foi possível separar os livros por sua autoria.