Guimarães Rosa privilegia, em toda sua obra, lugares de ver e dizer o mundo historicamente desvalorizados no mundo ocidental. Parece-me que este gesto está em sintonia com a crise do paradigma civilização e barbárie, crise esta que problematiza uma série de oposições, como adulto-criança, oral-escrito, civilizado-selvagem, urbano-rústico. Estas oposições negavam, ao pólo considerado negativo ou inferior da dicotomia, uma forma de pensamento, de entendimento do mundo, que tivesse interesse, desqualificando-a. Rosa, procedendo o contrário, empenhando-se em construir mundos ficionais a partir desses marginalizados modos de ver e dizer, subverte o paradigma civilização e barbárie. Apresentarei, nesta comunicação, uma reflexão sobre as implicações deste gesto, inscrevendo a obra de Rosa num contexto mais amplo de crise e revisão das bases do pensamento ocidental. Nessa direção, apresentarei alguns pontos de contato entre o gesto rosiano e o de pensadores da chamada Escola de Frankfurt, empe
O sucesso na transposição de narrativas literárias para o cinema depende da resolução adequada
de uma série de questões, em especial a do narrador, conforme apontaram Xavier (1998) Johnson
(1995) e outros. Os desafios para a transposição ampliam-se consideravelmente quando se trata de
narrativas com intensa elaboração textual, como é o caso de Primeiras estórias, de Guimarães
Rosa, que foram alvo de duas versões cinematográficas nos anos 90: A terceira margem do rio,
(Nelson Pereira dos Santos, 1994) e Outras estórias (Pedro Bial, 1999). Em ambos os casos, a
roteirização privilegiou a unificação das narrativas curtas, compondo um grande quadro de
personagens com relações de parentesco ou de envolvimento em situações que extrapolam o
conteúdo diegético dos contos. As peculiaridades da escrita de Rosa, todavia, interferem
substancialmente no processo e no resultado. O presente trabalho confronta determinadas
personagens nas versões literária e cinematográfica, ressaltando difer
Após a consagração e a surpresa em Grande sertão: veredas (1956) de Guimarães Rosa, obras
posteriores ficaram um tanto desprestigiadas, como é o caso de Primeiras Estórias (1962). Mais
uma vez o sertão surge como espaço de identificação poética, contudo, agora, dentro de um projeto
de caracterização nacional, mediado pelos espaços urbanos. A visada sobre o conjunto dessa obra
nos permite fazer uma leitura tanto do processo histórico de modernização do Brasil quanto um
mergulho nas tradicionais raízes da narrativa. É exatamente na investigação desse entroncamento
que procuraremos delinear a convergência literária que anuncia os valores estéticos que vão
determinar a poética roseana.
A presente comunicação, a partir de uma leitura de estórias de João Guimarães Rosa e José
Luandino Vieira, presentes em Primeiras Estórias e No antigamente, na vida, respectivamente, visa
uma abordagem dos textos baseada na reconstrução do passado enfocada no tempo da infância.
Privilegiamos no decorrer desta leitura os processos de ressemantização tanto da palavra, como do
próprio espaço do passado, que salvas as distinções contextuais e das intenções dos projetos
estéticos dos autores, aponta para uma tensão estrutural entre o novo e o velho. Esta tensão se
evidencia nas narrativas, ademais dos aspectos já apontados, através de um constante movimento
de trazer os espaços periféricos para o centro da narrativa, tanto pela inventividade da linguagem,
tanto pela ruptura das fronteiras entre centro e periferia presente nos textos, nomeadamente, os
musseques de Luanda em Luandino Vieira, e o sertão roseano, que nos apontam para um
entrecruzamento cultural, dentro de uma escritur
As Primeiras estórias como atos genesíacos primordiais. O princípio do uno e do múltiplo regendo a proliferação das estórias. Os quatro pilares fundamentais que sustentam a estrutura arquitetônica do livro: a catábase, o personagente, o psiquiartista e a alegria. O entrelaçamento destas noções e o seu desdobramento nas estórias. A estória medial – “O espelho” – e as duas estórias extremas – “As margens da alegria” e “Os cimos” – como o princípio ativo do livro a partir do qual as outras dezoito estórias seguem-se umas às outras num percurso progressivo de desvelamento e engrandecimento do homem. A seqüência das estórias e a sua orquestração conjunta na composição de um enredo harmônico. As correlações internas entre as estórias. O destino ascensional da alma e os ecos plotinianos na obra rosiana.
O que se propõe analisar neste trabalho é a busca constante da transmutação do modo de ver o mundo, que faz da obra de Rosa uma grande paideia, que incita o jogo do devir, o jogo de atravessar, o jogo das metamorfoses contínuas e comuns de toda forma de vida. O narrador rosiano põe o leitor em constantes rupturas da lógica, dos limites, dos pragmatismos humanos, a fim de descontruir a automatização dos homens e do mundo, gestando o aprendizado de uma nova leitura do mundo, que destrói os determinismos e lógicas da subordinação, decretando o fim da lógica do senhor e do escravo. Essa nova visão mito-poética faz o homem comum religar-se ao mundo, não como superior, mas como parte integrante que deve aprender o movimento dialético da vida: o nascer e morrer constantes, o transformar-se para perpetuar-se, o ir e vir contínuos e perpétuos. Assim, neste trabalho, o que se objetiva estudar é a representação das personagens rosianas em busca de sua construção como indivíduos, especialmente no
Análise do processo social no romance As Filhas do Arco-Íris (1980), destacando-se a valorização do cômico através das relações entre as personagens: o cego, o bêbado e o doido. Observa-se que o cômico permite a abordagem do desvio dos moradores da comunidade de Gurinhatá, seja por seus vícios, condições sociais ou dificuldades de se relacionar com os demais habitantes. Na vila, o comportamento das pessoas é de distanciamento diante dos excluídos, cujo resultado é certa rejeição às condições de vida dessas personalidades em virtude da ausência de valores físicos, sociais e psicológicos. Em virtude dessa ausência, os moradores não admitem que eles abalem a hierarquia social das autoridades, entre eles: coronel Tidudô, padre Santo, Pai Estêvão, sendo que com o último, as atitudes dos três têm uma relação mais agravante. É assim que eles se tornam três elementos propensos a criar suas fantasias e dar sentido à realidade nas relações sociais. Cada um apresenta, conforme o narrador, experiências com aventuras, viagens e brincadeiras. O riso se move por toda parte, sugerindo a liberação do censurado, permitindo transcender os limites da razão. Ao longo da análise, procura-se também estabelecer considerações com personagens excluídos de Primeiras Estórias (1962), de Guimarães Rosa, texto fundamental da moderna narrativa brasileira. A pesquisa tem como suporte teórico os seguintes autores: Antonio Candido, Walter Benjamin, Mikhail Bakhtin, Henri Bergson, Concetta D’Angeli, Guido Paduano, Diderot e outros.
Este ensaio visa empreender uma análise do livro Primeiras estórias (1962), de Guimarães Rosa e de sua adaptação para o filme Outras estórias (1999), dirigido por Pedro Bial, com roteiro de Pedro Bial e adaptação de Alcione Araújo, tomando como foco central a ideia do comum. Buscaremos verificar como esse conceito, tratado por pensadores contemporâneos, apresenta-se nos textos do corpus. Além de investigar características da própria linguagem literária e fílmica, o ensaio pretende avaliar o modo como, nos contos e em sua adaptação para o longa-metragem, ocorre a relação do homem com a vida comunitária, cotidiana. Podemos perceber, no trabalho de Rosa, retomado por Bial, imagens relativas a outras formas de espacialidade e temporalidade, distantes dos imperativos da modernidade. Ideias de compartilhamento, comunidade, comunicação e cooperação surgem na análise dos textos. Mas o trabalho tratará a noção do comum também como dificuldade de se empreender o viver junto, abrindo assim o lequ
As Primeiras estórias, de João Guimarães Rosa, privilegiam personagens que comumente são colocados à margem ou que não ocupam lugar de destaque nas narrativas: os loucos, ou aqueles que vivem situações consideradas pelos demais como loucura, e as crianças. Pretende-se nesta comunicação voltar à atenção para este segundo grupo, que sempre gerou opiniões diversas ao longo de toda a história: as crianças, que nos contos de Rosa, de acordo com Benedito Nunes (2013), são seres de extrema perspicácia e aguda sensibilidade. Nos contos de Primeiras estórias em que as crianças ocupam o centro da narrativa, Rosa lança mão do suposto não saber da criança e de seu “desajeitado tatear” para introduzir questionamentos extremamente filosóficos e poéticos. Dotados de um olhar extremamente singular, as crianças refletem sobre as relações humanas entre si e com os demais seres da natureza, apontando para um saber que os adultos foram considerando de menor importância ao longo de seu crescimento. Assim, faremos uma análise de alguns contos destacando o ponto de vista da criança como elemento fundamental para a construção da narrativa e como este ponto de vista questiona e problematiza as relações humanas.