Este trabalho pretende estabelecer relações entre história, geografia e as teorias do espaço literário na obra Grande Sertão: Veredas (1956) de João Guimarães Rosa. Para se lançar uma visão holística sobre a composição rosiana, o espaço é abordado a partir de quatro categorias literárias: i) representação do espaço para tratar dos aspectos físicos e de organizações sociais revelados pelo sertão; ii) espaço como focalização no qual Riobaldo é apresentado como um espaço de memória e de reconstrução do passado, ou seja, espaço visto (jovem jagunço em aventuras físicas e amorosas), e espaço vidente (ex-jagunço, narrador, rico, velho a reconstruir sua vida pela narração); iii) espaço como linguagem, categoria de maior elaboração formal na qual a linguagem é o espaço dela mesma, autorreferencial e reveladora; iv) espaço como forma de estruturação textual no qual a grande extensão da obra se torna um lugar de criação e de perdição do leitor. Assim, conclui-se que essas categorias colaboram para uma leitura mais ampliada da obra, como partes de um quebra- cabeça que só fazem sentido no todo. Logo, o leitor deve reconhecer o espaço do narrador, o da linguagem, o representando e a sua estruturação em obra para ampliar sua leitura e se tornar um organizador dessas categorias, pois, ao descobrir seu espaço, ele não se torna um sujeito passivo que é conduzido pelo narrador e enganado pelas ocultações da estrutura e da linguagem, porém, um agente que aprende que a geografia do sertão é imprecisa e constantemente modificada por quem se localiza; que o ponto de vista do narrador pode ser ampliado pelas lacunas daquilo que ele não diz; que a linguagem só trata da realidade quando não é documental e se reinventa no fazer artístico; e, por fim, que uma obra pode ser um espaço desmontado sempre e à espera de uma reconstrução. Enfim, trata-se de um romance de aprendizagem, no qual o leitor interage com as incertezas e dúvidas do narrador e faz uma travessia autônoma, sempre esclarecedora e de conhecimento dos dilemas humanos.
O presente trabalho consiste numa pesquisa que gira em torno das acepções que o espaço ficcional assume na literatura brasileira desde suas primeiras manifestações ainda em períodos coloniais, até a terceira fase do modernismo, que corresponde à geração de 45, na qual está inserida a obra de João Guimarães Rosa. Nesse sentido, é explanado um panorama do regionalismo na literatura brasileira a partir do percurso teórico apresentado por Antonio Candido que aborda a forma como os textos ficcionais pressupõem o espaço seja em sua dimensão literal ou simbólica. Nessa última acepção, o leque do enfoque espacial abarca elementos próprios da modernidade, a saber: o espaço do narrador, o da linguagem e o do leitor. Esses elementos são debatidos na perspectiva da obra rosiana de uma forma geral e mais especificamente nos contos As margens da alegria e Os cimos, primeiro e último, respectivamente, do livro Primeiras estórias (1962). Em se tratando dos contos, é feita uma análise comparativa evidenciando aspectos em comum, notáveis na composição estrutural; e diferenças evocadas pela percepção da personagem infantil no que tange ao espaço. O espaço caracteriza-se como elemento que possibilita conceber a imersão da personagem infantil, enquanto sujeito perceptivo, em um mundo socialmente partilhado. O deslocamento da personagem, tanto físico quanto interno, evoca a imaginação e acena para um aprendizado existencial. Por outro lado, em se tratando de conto enquanto gênero, a narrativa assume uma dubiedade associando ficção poética e realidade. Assim sendo, também são discutidos aspectos relacionados ao contexto de produção da obra de Guimarães Rosa, vinculados espacialmente a uma perspectiva mais urbana, própria de um Brasil que passava por um surto de modernização. A percepção do entorno pela personagem infantil referencia o estudo do espaço ficcional nos contos de João Guimarães Rosa.
A densa obra de João Guimarães Rosa é constantemente revisitada pela crítica por possibilitar inúmeras vias de leitura. Neste trabalho, procuramos desenvolver uma análise sobre a obra Grande sertão: veredas (1956), ressaltando aspectos sobre a posição do narrador-personagem, Riobaldo, e a estrutura da narrativa. Toda a mistura e ambiguidade representadas nas imagens e histórias do sertão rosiano tem laço estreito com a memória do herói e, por isso, a natureza subjetiva da experiência recai na própria linguagem, fazendo distinção entre Riobaldo-jagunço e Riobaldo-narrador. O fio condutor da análise foi a própria literatura que teoriza, na obra de Proust, a questão da memória e do tempo. Paralelo a isso, autores como Gilles Deleuze, Gerárd Genette e Joseph Frank contribuíram para expansão da leitura sobre a forma do romance, assim como os autores da fortuna crítica de Rosa, José Carlos Garbúglio e João Adolfo Hansen. A pesquisa aponta para as duas figuras elementares no passado do jagunço, Diadorim e Zé Bebelo, destacando como a influência exercida por eles tem função importante no desenvolvimento do caráter de Riobaldo como narrador.