Reflexão sobre a leveza irônica e a complexidade narrativa com que Guimarães Rosa corrige, em alguns contos de Primeiras estórias e de Tutaméia, leituras preconceituosas que não conseguem ver o outro na sua diferença.
O presente artigo problematiza por meio da análise a intervenção do fantástico no conto “Pirlimpsiquice”, que integra a obra Primeiras estórias, de João Guimarães Rosa. Ao centralizar o episódio extraordinário da realização de uma peça teatral por um grupo de meninos de um Colégio de padres, a narrativa tematiza a palavra infantil como elemento transformador da realidade. A partir de proposições de Chaves (1978), Rosset (1998), Mello (2000), Jenny (1979) e Nitrini (2000), a discussão aborda o estabelecimento do duplo e a intertertextualidade no universo narrado, como recursos para a concretização do fantástico. A investigação indica que, no conto em análise, o faz-de-conta infantil funde-se ao faz-de-conta teatral e a representação assume o lugar do representado, estabelecendo uma tensão entre o imaginado e o real. Por sua condição imprevisível e inacabada, a nova realidade instaurada pela palavra infantil coincide com o viver verdadeiro, revelando o “transviver” protagonizado pelas personagens.
Investiga-se como narradores e personagens de três contos de Primeiras estórias (“O espelho”, “Pirlimpsiquice” e “Darandina”), de João Guimarães Rosa, utilizam a cultura clássica. O corpus examinado aponta para duas formas distintas: uma subserviente, quiçá rígida, e o mais das vezes explícita, geralmente indicativa de uma postura política e moral conservadora, outra, mais livre e solta e muitas vezes implícita.
Mais do que um grande contista, João Guimarães Rosa foi também um grande contador de histórias. Segundo Antonio Candido, Guimarães Rosa tinha "paixão de contar". O autor de Grande Sertão: Veredas, portanto, retorna, em grande estilo, segundo Candido, à concepção do contista-contador. Ao debruçarmos sobre o conto "Pirlimpsiquice", de Primeiras Estórias, observaremos de que forma João Guimarães Rosa revela-se não apenas como um grande contista, mas também como um grande contador de estórias.
Neste trabalho, parte-se do pressuposto de que as personagens infantis, em diferentes narrativas, realizam a trajetória de formação que caracteriza sua inserção no mundo adulto. Essa caminhada para o conhecimento e a maturidade permite aproximar o conjunto de narrativas rosianas, cujo tema é o universo infantil, às narrativas denominadas de romance de formação. O objetivo é mostrar que a trajetória de aprendizado não se faz sem conflitos; o imaginário infantil entra em confronto direto com o mundo adulto. De um lado, o espaço exterior da natureza torna-se modelar, ensina lições, contribuindo para o processo de amadurecimento da personagem; de outro, o espaço interior - ora vislumbrado pela voz do narrador, ora pela voz da personagem - reflete os medos e incertezas dessa passagem. Em sua trajetória de aprendizagem, as personagens descobrem as dores da perda desde pequenos acontecimentos até a morte de entes queridos. Os ensinamentos também chegam pela natureza, que está em contato direto com as personagens, tornando-se espaço de refúgio para a dor de conhecer a existência. Para examinar tais conflitos do imaginário e a formação das personagens infantis em Rosa, foram selecionados os contos Conversa de bois, de Sagarana, Os cimos, As margens da alegria, Partida do audaz navegante, Pirlimpsiquice, Nenhum, nenhuma, de Primeiras Estórias e Campo geral, de Manuelzão e Miguilim. Observa-se, no tratamento dispensado ao mundo infantil, de Sagarana aos contos de Primeiras Estórias - obra que se constrói em narrativas curtas, propiciando certo hermetismo em muitas delas - a formação da criança, apresentada no plano da história e do discurso.
Na obra de João Guimarães Rosa, a loucura não é apenas um tema recorrente. Os loucos apresentam-se intimamente relacionados à poética do autor, são detentores de sabedorias que superam o campo estritamente racional, são seres ligados ao mundo profético, à poesia, à criança e a todos os elementos que simbolizam o homem criativo. A partir de uma das sagas de Corpo de baile e de algumas das estórias que compõem a obra Primeiras estórias, este trabalho propõe um estudo de personagens que vivem à margem da razão, de modo a entender a singularidade do desatino rosiano.
Este trabalho propõe uma leitura da obra de Guimarães Rosa de Corpo de Baile (1956) até Estas Estórias (1969), construída sobre a articulação entre duas dimensões, o livro e a narração. Interroga-se o modo como estes textos colocam em relação, na tensão entre escrita e oralidade que está na sua base, a representação do acto narrativo e a reflexão sobre a construção do livro em função de um questionamento da forma e da legibilidade. Descreve-se a resposta que a organização dos livros de Rosa oferece a problemas de representação e referência, através de uma atenção ao paratexto e à edição, e discute-se a releitura e a parábase como figuras da problematização da leitura.
Faculdade de Letras, Departamento de Letras Vernáculas
Esta Dissertação desenvolve um estudo sobre a correlação do mítico, do simbólico e do imaginário na constituição da narrativa de Primeiras estórias, de João Guimarães Rosa, tomando por base os contos Pirlimpsiquice, O Espelho, Darandina, A Terceira Margem do Rio, As Margens da Alegria e Os Cimos. Estabelece-se nela a arte como manifestação do real. Defende-se a idéia de que Primeiras estórias possui um princípio interpretativo inerente a estrutura da obra. As reflexões giram em torno das conceituações sobre a consagração do tempo e do espaço, iniciação, imanência, transcendência e transdescendência, Homo Viator (Religiosus/Trans/humano), personagente, psiquiartista, elementos apresentados de modo original na obra de Guimarães Rosa. A palavra chave deste trabalho é travessia, sinônimo de metamorfose, de conversão, mostrando que, por isso, a narrativa está em metamorfose constante, convertendo em símbolo todos os seus elementos. Mostra, ainda, que a força mágica do narrar é o agente ficcional de coesão no qual o mítico e o simbólico se integram na invenção rosiana da realidade. A verdade poética de Primeiras estórias é uma manifestação mítica, simbólica e imaginária. O real é a interação dialética desses três pontos que convergem e convertem o narrar rosiano em narrativa mitopoética: ela não imita a realidade, mas manifesta-a. A mímesis não é imitação, mas concriatividade do mítico, do simbólico e do imginário na constituição do real.
Análise das representações da criança e dos processos de aprendizagem e formação nos contos de Guimarães Rosa e Clarice Lispector. Parte-se inicialmente da criação de uma tipologia que sistematiza e categoriza as imagens da infância, as suas intermediações familiares, escolares e sociais, bem como as relações que se estabelecem entre os indivíduos e grupos que se afirmam nas narrativas: pais e filhos, alunos e professores. Os espaços nos quais essas mediações têm lugar (natureza, casa e escola) e os percursos de aprendizagem e formação que norteiam a afirmação da infância são também analisados e articulados com várias teorias acerca da constituição do infantil e das injunções de poder que marcam os confrontos e diálogos entre esses atores sociais. Em uma perspectiva interdisciplinar, os campos teóricos da Educação, História e Literatura imbricam-se por meio do pensamento de autores que refletiram sobre a infância e a formação: Norbert Elias, Philippe Ariès, Mikhail Bakhtin e Walter Benjamin. Além disso, na constituição das infâncias nos contos selecionados, observa-se a interferência motriz de elementos conceituais que delimitam o campo de atuação dos personagens: o conflito, a viagem, o sacrifício, a linguagem, a imaginação, o riso, a morte e o amor. Constrói-se, assim, com a tese um espaço de reflexão sobre as contribuições do texto literário para os estudos pedagógicos acerca da criança e das suas formas de estar no mundo.
Um enlace de palavras que recuperam, expõem e reconstroem universos culturais e ficcionais ainda seria um conceito menor para abarcar e definir a literatura de João Guimarães Rosa. O exercício da criação literária, visto, por exemplo, em Primeiras estórias – talvez o livro mais famoso do autor – afirmou sua alta voltagem estética; atividade exposta também em trabalhos como Sagarana (1946), Corpo de baile (1956) e Grande sertão: veredas (1956). Porém, como singularidade artística e maior especificidade estrutural em relação às outras obras, Primeiras estórias demarcou o gênero “estória” como uma forma de escrever; um estilo novo dentre os já tradicionais das letras brasileiras, mas também podendo ser um estilo tradicional reformulado: outro significado para a palavra história (neste caso, short story). A singularidade deste livro, como disse Paulo Rónai, advém de um “sabor popular”, que talvez tenha relegado à obra o status de ser a mais indicada por estudiosos para se iniciar a leitura de Rosa. Essa popularidade é manifestada em diversos vieses, tais como o ambiente familiar, personagens de caráter humilde e simples, um regionalismo mineiro, acontecimentos fantásticos e maravilhosos que atraem a curiosidade do leitor, narrativas curtas com temáticas ligadas ao folclore, à superstição e ao mistério e, dentre tantas outras mais, a infância, nosso objeto de estudo. A proposta analítica dessa comunicação, assim, é entender a cultura infantil como objeto de incursão narrativa na literatura de Guimarães Rosa. Mais especificamente, pretendese investigar a apropriação que a ficção faz dos caminhos culturais que cercam a visão de mundo dos personagens principais das narrativas feitas por crianças. Essa investigação tomará então como corpus o conto “Pirlimpsiquice”. Teoricamente, alçaremos propostas de pensadores como Antonio Candido (1989) e Eurídice Figueiredo (2010). A estória de “Pirlimpsiquice”, desse modo, fala sobre um grupo de alunos que encena uma peça numa escola interna. Guimarães Rosa constrói neste trabalho dobras ficcionais, que numa primeira leitura fazem surgir questões como: qual a relação entre invenção e realidade? Em que medida uma mentira se torna ficção? Qual a surpresa que se tem
quando se faz uma encenação improvisada? O que há de mágico e maravilhoso no imaginário infantil? Para este trabalho, o foco será dado à essa curiosidade do leitor quando entra em contato com o texto, à essa reformulação da linguagem ficcional que transcorre culturas; uma literatura que fundamenta a argumentação estética como um fenômeno múltiplo, criador de mundos.
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