O artigo aborda a temática do humor e da alegria em “Tutameia: terceiras estórias” em estreita conexão com o arranjo formal da obra. Matizados pelas sombras da angústia, da dormência e do trágico, ali, ambos os conceitos, alegria e humor, tendem a ser distanciados da compreensão do senso comum, despontando de uma hermenêutica inteiramente atravessada pela consciência do absurdo. Essa visão de mundo intransparente, ambígua, ao mesmo tempo melancólica e venturosa, não está na base apenas da criação da afetividade dos personagens e da atmosfera narrativa, mas, igualmente, da organização formal de toda a obra, fazendo-se notar em sua estrutura lacunosa e em seu ritmo subjetivo, estranho e desconjuntado.
Em Tutaméia, Guimarães Rosa incorpora o cômico de modo estranho, desvinculando-o de seu efeito de causar o riso. Todo o primeiro prefácio, a porta de entrada do livro, é dedicado ao debate acerca da comicidade e seus mecanismos, anunciando procedimentos que identificamos nas estórias, na construção de frases e vocábulos, na arquitetura da própria obra.
Este trabalho pretende analisar a comicidade em 'Grande sertão: veredas', de Guimarães Rosa, por meio do instrumental teórico desenvolvido por Bergson (2007) -- comicidade de palavras e de situações -- e por Freud (1977) -- os chistes cômicos. Assim, objetivamos trazer à lume a ambivalência funcional do cômico, a saber, reprimir ao mesmo tempo em que revela algo. Para além da evidenciação do papel da comicidade, suscitamos um debate crítico com base nas discussões foucaultianas acerca do papel da obra literária como portadora de uma verdade no seio social.
Em Grande sertão: veredas (1956) o tom sério da narrativa se mescla com o aparecimento de elementos cômicos que, apesar de esparsos, participam da estruturação da narrativa. Este estudo analisa de que forma se dão as manifestações da comicidade, tais como procedimentos, técnicas, estruturas cômicas, chistes, bem como a representação do riso nesse romance, de Guimarães Rosa, buscando relacionar esses elementos com o enredo. Para tanto, partiremos de um instrumental teórico sobre o cômico e o risível, a saber, Aristóteles (2008), Bergson (2007), Freud (1977), Jolles (1976), Propp (1992), Minois (2003), além das discussões críticas de Candido (1990), Galvão (1986), Nunes (2013), Utéza (1994) e Hansen (2000). Ademais, a função desempenhada pelos processos cômicos presentes nessa narrativa nos permite compreender o papel da comicidade nas suas distintas formas no romance rosiano. Assim, foi possível discutir as relações entre o sério e o cômico, bem como o constante alívio de tensões. As recriações linguísticas rosianas, conforme as discussões de Freud (1977), derivam em prazer em momentos de tensão, suscitando um alívio, o que permite não só que o leitor prossiga na leitura, como também que a narrativa, porque densa devido às tensões das batalhas dos jagunços, flua com momentos de distensão. Ainda a funcionalidade vai além disso: a relativização de valores e de comportamentos que repensam a lógica usual do mundo talvez seja o mais recorrente. Nesse caso, apontam nossas análises, o cômico decorre de uma inversão da lógica cultural e concorre para a superação de preocupações metafísicas pela via do riso.
A constituição humorística de Sagarana (1946) fornece a base desta tese de doutoramento, em Literatura Brasileira. Assim, tem-se como corpus de análise contos desta obra do escritor João Guimarães Rosa (1908 1967), e, embora privilegiando-a como um todo, no conjunto de suas nove narrativas, foram selecionadas três delas para análise e composição dos capítulos deste estudo, a saber: O burrinho pedrês, Traços biográficos de Lalino Salãthiel ou A volta do marido pródigo e Corpo fechado. A abordagem estabelece a intersecção de duas vertentes de constituição e construção da obra: uma, no plano formal, corresponde aos recursos expressivos de comicidade, realizados através de procedimentos de humor, ironia, paródia, sátira, e outros. Para tanto, a fundamentação teórica centra-se, basicamente, nas reflexões de autores como Bergson, Propp, Pirandello, Freud. A outra, no plano temático, orienta-se pela representação da sociedade plasmada nas narrativas e a correspondência desta representação com a realidade nacional, como relações de poder, de violência, de submissão, instituições de Estado, e outros. Críticos do autor que realizaram abordagem sob tal enfoque foram selecionados como referência. A investigação revelou, finalmente, que nesta obra seminal do autor mineiro já se configuravam as linhas mestras de um projeto literário e uma visão de mundo, perpassados pelo humor. E mais, sob a leveza do véu humorístico, o autor realiza profunda reflexão acerca da sociedade (brasileira), do mundo e do homem (humano).
Em Tutaméia, Guimarães Rosa propõe e experimenta um recorte muito peculiar do cômico, cuja função não seria a de causar o riso, mas a de dar acesso a “novos sistemas de pensamento”. A natureza e os mecanismos do cômico são discutidos no primeiro prefácio e valorizados por sua capacidade de desfazer estereótipos, abrindo espaço para outras possibilidades, tanto para o inédito (sentido primordial de anedota), quanto para o que é censurado, recalcado. A própria obra incorpora formas e estruturas do cômico: seus quatro prefácios retomam em nova chave elementos da comédia clássica, principalmente a parábase; assinalamos várias estórias estruturadas segundo as formas cômicas debatidas no prefácio; até mesmo na composição de frases ou vocábulos percebe-se princípios próprios do cômico. A perspectiva cômica, infiltrada em vários planos da obra, cumpre inúmeras funções. Uma delas seria a de revelar o engano de raciocínios e valores viciados, já que alarga as possibilidades de representação ao i
Em Grande Sertão: veredas (1956) o tom sério da narrativa se mescla com o aparecimento de elementos cômicos que, apesar de esparsos, participam da estruturação da narrativa. Este trabalho analisa as manifestações da comicidade, tais como procedimentos, técnicas, estruturas cômicas, chistes, e a representação do riso nesse romance, de Guimarães Rosa (1908-1967), buscando relacionar esses mecanismos com o enredo. Assim, partiremos dos seguintes teóricos da comicidade e do riso: Bergson
(2007), Freud (1977), Jolles (1976), Propp (1992), Minois (2003), além das discussões sobre a ficção rosiana feitas por Candido (1990), Galvão (1986) e Utéza (1994). Ademais, problematizam-se as relações entre o sério e o cômico, o constante alívio de tensões, bem como a relativização de valores e comportamentos que repensam a lógica usual do mundo. O aparecimento sutil desses elementos cômicos concorre para a superação de preocupações metafísicas pela via do riso.