O trabalho consiste em analisar o vínculo entre poeticidade, imaginação e memória nas narrativas “Buriti”, “Dão-lalalão – o devente” e “A estória de Lélio e Lina de Guimarães Rosa. Para tanto, toma-se como ponto de partida a presença da imaginação e da memória na constituição dos protagonistas masculinos, respectivamente, Miguel, Soropita e Lélio que, no sertão construído pelo escritor, vivenciam singulares experiências, em especial, nos recônditos da imaginação e da memória, geralmente suscitadas pelos relacionamentos com os pares femininos. Como, nas narrativas selecionadas, o devaneio, a fantasia e a memória são, em geral, apresentados poeticamente, investiga-se a similaridade entre certos processos discursivos oriundos da função poética da linguagem e mecanismos observados naqueles procedimentos. Como essa orientação peculiar dos protagonistas para a imaginação e a memória confere tratamento diferenciado ao espaço e ao tempo, o estudo dessas categorias contempla, primeiramente, os ensaios críticos sobre a obra rosiana em geral e sobre as três novelas em particular. Em segundo lugar, toma-se o instrumental teórico da poesia, no qual cabe destacar os textos basilares de Roman Jakobson “Lingüística e poética” e “À procura da essência da linguagem”. O estudo da imaginação e da memória como elementos atuantes nas personagens encaminha-nos a obras centradas na simbologia do imaginário, como As estruturas antropológicas do imaginário de G. Durand; ancoradas na filosofia, como as de H. Bergson, Matéria e Memória e Ensaio sobre os dados imediatos da consciência; na relação entre a palavra mítica e a linguagem, como Antropologia filosófica e Linguagem e mito; e de fundo psicanalítico, como “A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud” de J. Lacan.
Este trabalho consiste na análise da narrativa “A estória de Lélio e Lina” de Guimarães Rosa, centralizando-se na observação da relação existente entre as personagens femininas que entram em contato com o protagonista dessa obra e naquelas que fazem parte da trajetória de Riobaldo em Grande sertão: veredas. A análise da estrutura narrativa é feita centrando-se nos elementos que a aproximam da definição de “narrativa poética”, terminologia proposta por Tadié. Assim, observa-se que a poesia e o mito têm importância fundamental na elaboração artística do autor: o espaço – a fazenda do Pinhém – é, de fato, um espaço mágico e mítico, recuperando o arquétipo do paraíso perdido; o tempo narrativo é cíclico, sugerindo a idéia de um não-tempo, ou tempo primordial, de origem das coisas; o narrador, apesar de exterior à história em questão, sempre segue a visão de Lélio, o protagonista, assumindo características de um eu-lírico. Além disso, é feito um estabelecimento das similaridades entre cada uma das personagens femininas que entra em contato direto com Lélio - Sinhá Linda, Jiní e Rosalina – e aquelas que se relacionam a Riobaldo – Otacília, Nhorinhá e Diadorim. Essa parte da análise tem o objetivo de esclarecer que papéis tais personagens femininas desempenham na busca dos protagonistas e demonstrar que existem similaridades entre a trajetória de Lélio e de Riobaldo.
O objetivo deste estudo é mostrar como se dá o processo de individuação das personagens de Guimarães Rosa, nos contos Substância, Estória Nº3, A estória do homem do pinguelo, Um moço muito branco, As margens da alegria, Os cimos, A terceira margem do rio, e na novela A estória de Lélio e Lina, sob a perspectiva junguiana. Segundo o psicólogo, o embate com o outro, a relação de alteridade, é condição fundamental para a maturação psicológica do indivíduo. Somente através do confronto com o não-eu, o sujeito pode lograr atingir o seu si-mesmo, ou seja, atingir a máxima expressão de suas potencialidades inerentes. Demonstrarei como, nas narrativas citadas, a relação muitas vezes problemática entre opostos é a via de superação dos problemas existenciais vivenciados pelas personagens.
Faculdade de Letras, Departamento de Letras Vernáculas
Eros engendra o universo mitopoético de Guimarães Rosa. A força emancipatória do mito se apresenta como princípio norteador da ficção rosiana. Entendido como agente do processo cosmogônico, vincula corpo e alma com a vitalidade cósmica e criadora da natureza, aproxima linguagem e ser, fundamenta com o poder formativo da palavra um novo sertão e consagra a grandiosidade da vida em constante recomeço. Ele rompe com a tradição patriarcal da sociedade ocidental e contraria a figura divina que, comumente, o caracteriza como interventor na dinâmica familiar e na ética social, sentimento que gera deleite e sofrimento, oposição entre prazer e dever, coerção ou ameaça, impulsionador de atitudes insanas ou inconsequentes, desejo insaciável, sujeito em busca do objeto ou deus absoluto do Olimpo. Nas narrativas do escritor, assume a orquestração tensa e harmônica de contrários que não se excluem, na riqueza de timbres que compõem o viver. Esta tese propõe o viés amoroso como importante possibilidade de diálogo com a tessitura literária de Rosa. A base das discussões prioriza a regência de Eros em imagens poéticas ligadas ao olhar, que evidenciam o irromper do inaugural e miram a invisibilidade de todo ver. Olhar arrebatado por Eros, cria, recria, deforma e transforma imagens porque se insere na dinâmica das metamorfoses. Grande sertão: veredas constitui o núcleo irradiador das reflexões. "A estória de Lélio e Lina", "Substância", "Dão-Lalalão" e "Buriti" contribuem para complementar e confirmar a abrangência de Eros no projeto poético do autor. A elaboração estrutural da obra rosiana suscita uma declaração de amor à vida e uma celebração da potência genesíaca do mais belo dos deuses.
Instituto de Estudos da Linguagem. Programa de Pós-Graduação em Teoria e História Literária.
Este texto busca estudar os aspectos políticos, históricos e sociais trabalhados por João Guimarães Rosa em "A estória de Lélio e Lina", texto presente em Corpo de Baile. Para isso, se analisará como as palavras e ações de Lina servem para resgatar a ordem de um mundo em transformação. Ao se perceber em pleno encontro do moderno com o tradicional na zona rural de Minas Gerais no final do século XIX e início do XX, Lélio sente-se perdido. Ele precisa de Lina para se situar em meio ao dinamismo da História e poder formular/reformular seu papel enquanto agente e sujeito de sua vida. As referências que o texto faz aos processos de transformação histórica são o objeto da pesquisa. O que insere este trabalho na linha de análise dos componentes históricos e sociais presentes na obra de Rosa e, sem desprezar os outros enfoques analíticos, busca analisar tal obra em meio à cultura e à época em que ela se desenvolveu e ver o que ela tem a dizer a respeito de seu mundo.