A ideia de que há um percurso do olhar ao desejo na relação entre Riobaldo e Diadorim, personagens de Grande Sertão: Veredas, é o que movimenta esse trabalho: através das teorias de Jacques Lacan, Sigmund Freud e Maurice Merleau-Ponty sobre o olhar e o desejo pode-se examinar esse percurso e determinar a influência que cada elemento exerceu no outro e a influência que esse conjunto, em sua totalidade, exerceu no romance de João Guimarães Rosa.
O presente artigo resulta de um estudo sobre a construção e o aprendizado do olhar na obra de João Guimarães Rosa, ou melhor, sobre a maneira como o autor questiona, através de seus personagens, a visão mecânica ou estereotipada de mundo, associando o gesto de olhar com o desejo de aprender. A abordagem é intertextual, pois contempla, além de duas narrativas de Guimarães Rosa, o Mito de Narciso, e a Tragédia de Sófocles, Édipo Rei. Em termos teóricos, este é um estudo hermenêutico,cujo ponto de partida é sempre o texto rosiano, a expressão de seus personagens e o seu modo de relacionar-se com o mundo. O texto é fruto de uma pesquisa que contempla a educação pelo olhar, e mostra como esta ocorre na obra de um autor como Guimarães Rosa, que construiu narrativas em que os personagens têm percepções e visões de mundo bastante específicas. É o que mostraremos a seguir.
Esta dissertação apresenta o estudo de aspectos analisados em três contos de Guimarães Rosa protagonizados por crianças, são eles: Campo Geral (da Obra Manuelzão e Miguilim), As margens da alegria e A menina de lá (contidos em Primeiras Estórias). A investigação toma como ponto de partida a construção da personagem-criança na obra rosiana a partir de um amadurecimento incomum e precoce que pode gerar estranheza ou confusão pela inevitável associação ao fantástico e ao sobrenatural, razão para um exame neutro e imparcial. Inicialmente, estabelece-se a diferença entre ver e enxergar, o que favorece a análise mais detida da personagem alvo: Miguilim. Esta distinção possibilita a visão do amadurecimento do menino, ao longo da narrativa, o qual passa do simples observar o mundo para a compreensão dele. Nessa tarefa de amadurecimento tem função primordial o irmão Dito, que auxilia Miguilim em sua jornada. Estuda-se o comportamento, a origem etimológica dos nomes de batismo das personagens Miguilim e Dito, já que eles sugerem uma escolha não aleatória do autor. Duas outras personagens-crianças da ficção rosiana também.São analisadas: o menino de As margens da alegria e Nhinhinha de A Menina de lá, pois também são personagens do universo infantil que apresentam características extraordinárias, como sabedoria, maturidade precoce, poderes inexplicáveis para o mundo convencional. Chega-se, assim, às estratégias que favorecem a difusão do efeito de verossimilhança a partir de aparentes coincidências e até mesmo de incongruência que corroboram no processo de autonomia das personagens na narrativa. As análises foram feitas, principalmente, a partir da teoria de Mikhail Bakhtin, Gérard Genette, Paul Ricoeur, Beth Brait, Tzvetan Todorov e Norman Friedmann
Faculdade de Letras, Departamento de Letras Vernáculas
Eros engendra o universo mitopoético de Guimarães Rosa. A força emancipatória do mito se apresenta como princípio norteador da ficção rosiana. Entendido como agente do processo cosmogônico, vincula corpo e alma com a vitalidade cósmica e criadora da natureza, aproxima linguagem e ser, fundamenta com o poder formativo da palavra um novo sertão e consagra a grandiosidade da vida em constante recomeço. Ele rompe com a tradição patriarcal da sociedade ocidental e contraria a figura divina que, comumente, o caracteriza como interventor na dinâmica familiar e na ética social, sentimento que gera deleite e sofrimento, oposição entre prazer e dever, coerção ou ameaça, impulsionador de atitudes insanas ou inconsequentes, desejo insaciável, sujeito em busca do objeto ou deus absoluto do Olimpo. Nas narrativas do escritor, assume a orquestração tensa e harmônica de contrários que não se excluem, na riqueza de timbres que compõem o viver. Esta tese propõe o viés amoroso como importante possibilidade de diálogo com a tessitura literária de Rosa. A base das discussões prioriza a regência de Eros em imagens poéticas ligadas ao olhar, que evidenciam o irromper do inaugural e miram a invisibilidade de todo ver. Olhar arrebatado por Eros, cria, recria, deforma e transforma imagens porque se insere na dinâmica das metamorfoses. Grande sertão: veredas constitui o núcleo irradiador das reflexões. "A estória de Lélio e Lina", "Substância", "Dão-Lalalão" e "Buriti" contribuem para complementar e confirmar a abrangência de Eros no projeto poético do autor. A elaboração estrutural da obra rosiana suscita uma declaração de amor à vida e uma celebração da potência genesíaca do mais belo dos deuses.