Ainda
aos quinze anos, enquanto as colegas demonstravam uma felicidade
característica da adolescência, Patrícia
(nome fictício) frequentemente se sentia envolvida por
um sentimento melancólico que lhe tirava a motivação
para atividades que outrora eram divertidas e lhe trazia uma
tristeza gratuita e incompreensível. Patrícia
ainda não sabia, mas o que essa funcionária da
USP sofria não era de um sentimento qualquer, mas de
uma doença, a depressão.
A
depressão é um mal mais comum do que se imagina.
Estima-se que entre 15 e 25% da população podem
sofrer uma crise depressiva no decorrer da vida. Em geral,
a crise é vista por parentes e amigos como uma tristeza
passageira ou até mesmo como uma fraqueza de caráter
de um indivíduo que não quer ou não consegue
enfrentar as dificuldades da vida. A depressão, entretanto,
é uma doença séria que causa malefícios
não apenas psicológicos como a perda da auto-estima
e da autoconfiança mas também físicos,
pois afeta o apetite, o sono e a disposição
física do indivíduo.
"Quando
se fala da doença depressiva, falamos de um transtorno
multideterminado. A tristeza é sempre relacionada a
um evento vital de impacto negativo, enquanto a depressão
não depende do evento inicial, ela tem vida própria",
afirma Frederico Demétrio, psiquiatra do Grupo de Doenças
Afetivas do Instituto de Psiquiatria do HC/USP.
A
depressão leva a pessoa a cometer atos que não
faria normalmente pois altera sua noção de realidade.
Imagine uma mãe que abandona o filho por achar que
não é capaz de criá-lo ou, como foi o
caso de Patrícia, uma estudante que abandona seus estudos
por dificuldades de aprendizagem e falta de motivação.
A depressão fez Patrícia trancar a faculdade
mais de dez vezes pois a doença prejudicava o seu poder
de concentração e, por mais que estudasse, tirava
notas ruins, o que fazia sentir-se uma garota burra e com
baixa auto-estima.
Vinte
anos se passaram até Patrícia descobrir que
estava realmente doente. Isso aconteceu já na idade
adulta, quase que por acaso, quando ficou grávida e
sentiu-se surpreendentemente bem. Aquele bem estar que atingiu
Patrícia durante a gravidez era algo novo e levou-a
a procurar ajuda de um médico que diagnosticou seu
quadro depressivo.
Por
confundir-se com um desânimo cotidiano comum e atingir
qualquer faixa etária (podendo ocorrer tanto em adultos,
idosos e até mesmo em bebês), a depressão
requer uma atenção especial para os seus principais
sintomas. "A depressão tem caracterísiticas
clínicas muito próprias. Ela se caracteriza
por um humor sempre mais triste, mais deprimido. O indivíduo
sofre de uma perda do interesse e prazer nas coisas, mas não
é uma tristeza qualquer, é uma tristeza continua
que ocorre diariamente, quase o tempo todo", afirma Frederico.
Segundo ele, a depressão é uma doença
que está presente em todos os aspectos da vida da pessoa.
No adulto, os sintomas são mais evidentes como os que
afetaram Patrícia, mas é preciso atentar também
para o aumento da ansiedade, queda da auto-estima e alterações
no sono e no apetite, pessimismo, sentimento de culpa e idéias
de morte. Esses sintomas, separadamente, são comuns
e podem decorrer dos mais diversos motivos na vida de uma
pessoa, mas quando unidos e prolongados por mais de duas semanas,
podem indicar um quadro depressivo.
Apesar
de ser vista como uma fase de alegria e descontração,
a infância também pode ser afetada pela crise
depressiva, mas no caso das crianças ela deve ser vista
de modo diferente da do adulto. Sintomas como desinteresse
e falta de prazer podem não ficar claros no seu comportamento,
é preciso prestar atenção em outros pontos.
"Irritabilidade e ansiedade podem ser mais evidentes
que a tristeza. A criança não vai atingir o
que se espera dela em termos de socialização,
amizades, brincadeiras ou notas na escola", alerta o
psiquiatra. Ele afirma que a depressão na criança
costuma estar relacionada à hereditariedade para começar
de forma tão precoce, "é importante alertar
familias que já tiveram membros com quadros depressivos
para prestar atenção a mudanças no comportamento
da criança". Frederico completa, alertando os
pais para não cometerem exageros, amplificando os sintomas
e patrulhando o comportamento infantil.
No
caso do idoso, os sintomas depressivos se assemelham a transtornos
de demência, enquanto a perda de memória e da
capacidade de raciocínio se confundem com debilidades
características da idade avançada. Nesse caso,
a depressão não está ligada apenas a
uma base biológica, mas também se relaciona
com doenças crônicas, principalmente as enfermidades
dolorosas ou que promovam limitação.
Outro
tipo comum de crise depressiva afeta as mulheres com filhos
recém-nascidos. Na depressão pós-parto,
elas desenvolvem uma sensação de incapacidade
de cuidar do filho ou de não merecerem uma criança
tão saudável. "É uma idéia
quase delirante, mas de cunho depressivo. A gente vê
que a mulher está extremamente triste, ela chora à
toa, se a criança chora, ela também chora",
descreve Frederico. Apesar de um transtorno freqüente,
a perspectiva de melhora é muito boa e as mulheres
costumam responder bem ao tratamento.
Cabe
ao indivíduo encarar a depressão como uma doença
de fato. Ou seja, ele não deve impor grandes objetivos
ou tomar decisões importantes nesse momento da vida
pois, como em qualquer outra doença, seu organismo
está debilitado. A companhia de amigos e a prática
de atividades de lazer também são importantes
mas, acima de tudo, não aceite os pensamentos depressivos
e procure identificá-los como parte da doença.
Amigos
e familiares também desempenham um papel fundamental
na recuperação do depressivo. Além da
companhia, cabe a eles compreender o doente e a doença,
encorajando o paciente a procurar e manter o tratamento até
o fim. "Minha família sempre me ajudou muito e
minha filha foi um dos meus maiores incentivos para superar
a depressão", finaliza Patrícia, que não
toma medicamentos nem sofre crises há mais de 4 anos
e está no terceiro ano da faculdade, onde é
a melhor aluna da sala.
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