Se
algum dia forem escrever um livro de memórias da Universidade
de São Paulo, é fundamental que Fábio
Prado colabore com a obra. Isso porque esse senhor de 77 anos
dedicou quase quatro décadas de sua carreira profissional
à Universidade, principalmente ao Departamento Jurídico
e à Reitoria, de onde acompanhou de perto os fatos
e os personagens que fizeram a história da USP.
Nascido na cidade Santos, em 1928, Fábio teve pouco
tempo para desfrutar da vida praiana. Aos seis meses de idade
seu pai, comerciante e proprietário de uma firma de
exportação de café, mudou-se para São
Paulo que, na época, já despontava como centro
comercial do Estado. E foi na "terra da garoa" que
ele se casou, teve duas filhas e quatro netos. Hoje, às
vésperas de comemorar Bodas de Ouro ao lado de dona
Denise (são nada menos que 49 anos de matrimônio),
o casal faz questão de manter unido o laço familiar
passando juntos o Natal. Reunir a família, aliás,
é tarefa difícil na casa de Fábio já
que a filha mais velha, formada em Direito pela PUC, casou-se
e mora com o marido e os dois filhos na França.
"Algumas
escolas não têm condições técnicas,
didáticas e pedagógicas para ensinar." |
foto
crédito:Cecília Bastos

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E
foi justamente o Direito que lhe abriu as portas do funcionalismo.
Fábio teve o primeiro contato com a USP, ainda
na década de 40, quando cursava a Faculdade de
Direito, no Largo São Francisco. Com a propriedade
de quem já foi membro do Conselho Federal de Educação
(hoje Conselho Nacional de Educação), ele
questiona a qualidade dos cursos de Direito nos dias de
hoje."Algumas escolas não têm condições
técnicas, didáticas e pedagógicas
para ensinar. O aluno, por sua vez, quando obtém
o diploma não tem condições de exercer
a profissão", critica. |
A sua vida funcional na USP iniciaria mesmo no quarto ano
de faculdade, quando começou a trabalhar na chefia
da Seção de Recursos Humanos da Reitoria. "Era
coisa de jovem, queria mesmo era ganhar um dinheirinho para
gastar. Quando comecei a trabalhar na USP nem cogitava ficar
lá por 38 anos", comenta. Naquele tempo a Cidade
Universitária era apenas um embrião do que é
hoje, e a Reitoria ainda se localizava onde atualmente é
a Secretaria de Educação, na Praça da
República. A mudança para o campus foi precoce,
mas é lembrada com bom humor pelo ex-funcionário:
"O prédio ainda tinha pintores trabalhando e marceneiros
arrumando as coisas. Os móveis estavam empilhados e,
no primeiro dia, tive que ler o Diário Oficial da Justiça
sentado num banquinho, com uma porção de caixas
a minha volta".
No
ano seguinte Fábio seria promovido a chefe da Consultoria
Jurídica, cargo que ocupou de 1954 a 1983. Ao longo
desse período fora convidado para ser chefe de
Gabinete de oito diferentes reitores, ficando num pingue-pongue
entre essas duas funções. O cargo de mediador
entre a comunidade uspiana e o reitor colocava Fábio
como testemunha privilegiada dos bastidores da Universidade,
no delicado período da ditadura militar. |
foto
crédito:Cecília Bastos

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O
primeiro reitor com quem trabalhou foi o professor Alípio
Corrêa Neto (1955-57). Formado pela Faculdade de Medicina,
o reitor costumava contar histórias de quando foi chefe
do Serviço Médico da Força Expedicionária
Brasileira (FEB). Numa delas, dizia que chegava a passar até
24 horas consecutivas atendendo soldados vítimas dos
conflitos num barraco de lona iluminado apenas por um lampião
a gás.
As memórias do regime militar surgem quando o assunto
é o vice-reitor Hélio Lourenço de Oliveira
(1968-69), por quem Fábio mantém grande admiração.
Em 1968, mesmo exercendo a função de reitor,
Oliveira foi cassado juntamente com outros 23 professores
da USP. "Os professores eram cassados, tirados do cargo,
proibidos de exercer a função de docente e aposentados
compulsoriamente. Não havia como pedir um recurso judicial,
pois o Ato Institucional não permitia", lembra.
Inicialmente foram apenas três professores cassados,
entre eles o físico Mário Schemberg. "Oliveira,
na condição de reitor, tinha a obrigação
de defender seus professores e pediu-me pra redigir um esboço
de um telegrama endereçado ao ministro da Educação,
Tarso Dutra, protestando contra as cassações."
Segundo Fábio, o reitor sabia que sua atitude era em
vão, "era um ato quixotesco, mas ele não
podia ficar covardemente quieto", conta. Antes mesmo
que o telegrama fosse enviado, foi divulgada na "Hora
do Brasil" uma outra lista de cassações
que incluíam renomados professores como Fernando Henrique
Cardoso, Florestan Fernandes, Otávio Ianni e o próprio
Hélio Lourenço de Oliveira.
Coube a Fábio contar ao reitor que havia uma outra
lista de cassações e que seu nome estava nela.
Sua reação, lembra, foi de uma serenidade impressionante.
"É um dos momentos da vida que a gente não
se esquece. Eu fiquei emotivamente tocado, primeiro porque
Oliveira era uma pessoa excepcional, depois porque a cassação
é uma agressão física e moral."
foto
crédito:Cecília Bastos

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Na
função de Chefe de Gabinete do reitor, muitas
vezes pequenos episódios revelam muito mais sobre o
caráter do Magnífico Reitor do que aquela apresentada
sob a samarra e o capelo. Quando trabalhava com o professor
Miguel Reale (1969-73), Fábio recebeu um telefonema
de um delegado, querendo saber onde trabalhava determinada
professora, porque ele queria prendê-la. "Eu ponderei
dizendo que prender um professor dentro da Universidade poderia
não cair bem, mas o delegado mostrou-se intransigente
e resolvi falar com o próprio reitor." Fábio
entrou na sala do reitor e comunicou-lhe, "Dr. Reale,
tem um delegado na linha querendo prender uma docente... ele
ficou muito indignado, pegou o telefone e aos brados respondeu:
'Olhe aqui seu delegado, aqui dentro você não
vai prender ninguém. O senhor vai prender na rua, na
casa dela, onde quiser, mas dentro da Cidade Universitária,
não!'". O episódio ajudou a conhecer um
pouco melhor o reitor: "O Dr. Reale mostrou-se íntegro
no sentido de defender o seu corpo docente", afirma .
O último reitor com quem trabalhou foi José
Goldenberg (1986-90), atual Secretário Estadual de
Meio Ambiente. Na época, o físico era presidente
das Centrais Elétricas de São Paulo e Fábio
fora chefe de seu gabinete. Quando, em 1986, Goldenberg assume
a Reitoria da Universidade, Fábio, já aposentado
pela USP, é convidado para ser chefe de gabinete do
reitor. "É engraçado, porque depois que
eu me aposentei pensava que a USP fosse uma página
virada na minha vida e, de repente, lá estou eu de
novo", lembra.
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