Este artigo parte de um estudo realizado no arquivo de João Guimarães Rosa, no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB/USP). Nele, a forma literária é percebida como uma tomada de posição que supõe um posicionamento do escritor no interior das contradições do processo social. Nesse sentido, defendo a ideia de que, em “Meu tio o iauaretê”, a conversa desnivelada, padrão narrativo também pre- sente em outros textos do autor, ataca a questão da desigualdade bra- sileira, representando-a.
O presente trabalho trata-se de um relatório de pesquisa que investiga as relações de Guimarães Rosa com Portugal desde os aspectos de sua ancestralidade, passando por viagens e visitas a Lisboa, proximidades com intelectuais e editores como Jaime Cortesão, Aquilino Ribeiro, António Sousa Pinto, Arnaldo Saraiva e Óscar Lopes até o seu constante interesse pela cultura do país, em especial, a literatura, os estudos geográficos e culinários. Na conclusão, são apresentados os resultados, as lacunas e as perspectiva possíveis de novos estudos.
Reconstruindo suas rotas, o escritor Guimarães Rosa cantou sua terra e os muitos lugares por onde andou, os quais, por vezes, nem constavam nos mapas do Brasil ou do Estado de Minas Gerais. As memórias e narrativas aqui apresentadas tratam desses lugares, suas paisagens e cenários, narrados por sertanejos que construíram modos de sobrevivência e subjetividades naquela região do Grande Sertão.
O tema do banditismo no Brasil, depois de ter sido registrado por autores como Euclides da Cunha, Caio Prado Jr. e Oliveira Vianna, ganha no romance Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa, uma representação que corresponde à importância que esse fenômeno ocupa na vida cotidiana do país. Com a narração ficcional da guerra de jagunços, ou seja, bandos de criminosos disputando o poder no planalto central do país por volta de 1900, o romance fornece um retrato do Brasil que não se limita a acontecimentos do passado, mas evoca alegoricamente estruturas que se prolongam até os dias atuais. O conceito de "sistema jagunço", introduzido pelo autor, contribui para fazer do romance uma forma de pesquisa que se equipara aos melhores retratos sociológicos e historiográficos do Brasil; ele até os supera, pela lucidez e qualidade técnica da apresentação. O fato de o narrador ser ele próprio um jagunço, um "jagunço letrado", não só proporciona uma visão de dentro do mundo do crime, como também expõe detalhadamente o funcionamento da instituição da jagunçagem através de uma encenação da retórica dos chefes e de seus subalternos. Por meio de uma poética astuciosa, crítica e auto-reflexiva, o romancista revela como a violência institucionalizada articula seu discurso.
Articulando uma interpretação de Grande Sertão: Veredas junto a leituras dos pensadores marxistas Karel Kosik e Theodor Adorno, entre outros, pretende-se, aqui, explicitar como a arte, e a obra em estudo especificamente, torna-se o “demônio” da ciência histórica, e como o pensamento em torno do personagem Riobaldo mostra fulcros entre narrativa histórica e ficcional, desafiando tanto a história, que afirma sua completude, quanto alguns segmentos da crítica literária, que negam a ligação da literatura com o social. Considerando que a transformação humana deixa marcas na narrativa, na arte, na ciência e na linguagem, busca demonstrar-se, neste trabalho, o choque entre tais construções humanas e como isto se expressa na linguagem do homem e de Riobaldo, expondo as contradições com que o pensamento, em especial o marxista, luta, e a intervenção da arte no processo crítico da práxis. As tensões entre as constituintes da reflexão dialética materialista, se perpetradas na linguagem e no narrar do sujeito, dão espaço para um ato criativo que se coaduna com a construção histórica dele mesmo no ato narrativo, e a construção linguística na qual se insere o poético, a busca incessante do sentido no risco da falta do sentido, a defrontação do homem perante o que ainda não tem palavra, mas que o impulsiona a criar para estar no mundo e recriá-lo.
Dialogando com a narrativa de Guimarães Rosa, esse texto procura apontar o trabalho ímpar da linguagem rosiana para processar a mediação entre "fato" e ficção, literatura e história, bem como, refletir em torno das representações do sertão elaboradas em sua narrativa como reveladoras de um espaço maior que a região, espaço nacional. O sertão imaginado na narrativa do autor mineiro, aquém das imagens que instituem a nação homogênea e uma, nos serve como chave de leitura para outro sentido de nação, narrada a partir dos confins da pátria. Sertão que desvela o entre-lugar da nação, atentando para a natureza liminar do grande sertão, no qual a questão dos limites e das margens, da contradição e descontinuidade constituem o cerne da questão nacional.
Este trabalho, por meio de uma pesquisa bibliográfica, lança mão dos pressupostos da análise comparatista ao propor um diálogo entre a historiografia contemporânea e a literatura brasileira por intermédio do exame de Bandidos (1969) de Eric Hobsbawm e do romance Grande sertão: veredas (1956) de Guimarães Rosa. Ao aproximar a sua narrativa dos métodos de pesquisa histórica, Guimarães Rosa realiza uma análise da realidade e do modus operandi desenvolvidos por homens comuns — os grandes protagonistas do século passado, segundo Hobsbawm. A hipótese levantada é a de que a história do Ocidente no século passado infiltra-se na particular inscrita do autor de Sagarana pelo seu remoto sertão. Neste diálogo histórico-literário, busca-se a ampliação da vereda interpretativa deste romance rosiano tendo como ponto de partida o exame do “banditismo social” inaugurado por Eric Hobsbawm na década de 1950. Por outro lado, busca-se também contribuir com este ramo da história trazendo à tona a figura do jagunço mineiro, amostra de proscrito que escapou à classificação do autor de Rebeldes primitivos, mas que ainda assim obedece às tipologias por este estabelecidas, embora a escrita rosiana as tenha embaralhado intencionalmente. Uma vez que estes dois observadores-participantes do perigoso século xx nunca foram postos em confronto, propõe-se a sua aproximação no intuito de avançar em direção a uma compreensão mais total do sertão brasileiro que, em Guimarães Rosa, rompe com a topografia nacional, erigindo algo maior dentro do regionalismo estético: uma metonímia de todos os territórios ocidentais onde imperam a violência e os desmandos do Estado.
Numa perspectiva de análise que considera literatura e seus suportes de publicação inseparáveis, este artigo refere-se à literatura de Guimarães Rosa como tributária de códigos e matrizes eruditas, e também de uma cultura de massa brasileira, dos anos 1940 e 1950. Em alguma medida esteticamente devedora de artistas plásticos que ilustram seus livros, presumidamente disponível para intensas trocas intertextuais dos anos do Após-Guerra e trocas intelectuais do pensamento social do Brasil interpretado a partir dos anos 1930, à literatura de Guimarães Rosa pode-se acrescentar a intervenção de itens e materiais identificados a uma cultura de massa, evidentemente retrabalhados pelo escritor no registro de sua invenção e de seu fazer artístico erudito e pluriliterário. Pode-se avaliar, assim, numa época de grande interação de textos artísticos e interpretativos do Brasil à disposição das artes, a sofisticação com que o escritor, pela verdade própria da literatura, pôde figurar o Brasil, revisando a máxima da impossibilidade literária de interação erudição e massa numa obra da qual a crítica fixou uma tradição analítica que a identifica mormente com a erudição. Não é só dos materiais da erudição que vive a obra rosiana. Evidenciar isso é o principal propósito deste artigo.
A década de 1950 é apontada pela historiografia literária como responsável pela criação literária paradigmática de uma tradição poética e narrativa, cuja acentuação pelas formas orais, pela extravagância, pela vocalidade, pela movência dos textos, pelo caráter artesanal da comunicação, promove um deslocamento cultural e existencial do narrador/poeta, em relação às técnicas industriais. Esse choque cultural e existencial vai gerar os versos e "estórias" mais estrambóticos da literatura brasileira: de um lado, a tradição do ethos lúdico, da configuração mítica, da alegoria; de outro, a exigência de um leitor experto. Esse viés estrambótico perpassa toda a obra de Guimarães Rosa.
Utilizando do conceito de “máquina de guerra nômade”, de Gilles Deleuze e Félix Guattari, analisar de forma sintética, a partir dos movimentos autóctones narrados no “Grande Serão: Veredas”, de Guimarães Rosa, as forças exteriores, aquém ou além do Estado, inserido dentro dele ou não, que lutaram consciente ou inconscientemente pela soberania nacional, através de passagens no Império, na
República pré-64 e no Brasil dos dias atuais. Colocar o romance de GR como síntese das forças políticas que atuavam no país antes do golpe, mostrando suas raízes no Império e que se desenvolveram até a nossa década.
Este artigo discute a temática da loucura por meio da análise dos contos “O alienista”, de Machado de Assis, e “A terceira margem do rio”, de Guimarães Rosa; privilegiando a abordagem que neles encontramos dos discursos político e social da época. Esclarecemos que a história faz parte das obras de Machado e Rosa não como instrumento de protesto social, mas como um vínculo indissociável entre literatura e sociedade.
Este trabalho faz parte das investigações acerca das relações entre literatura brasileira e história, objeto de dois projetos de pesquisa em curso na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O artigo pretende estabelecer um percurso de leitura que envolve quatro autores brasileiros de épocas distintas, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Raduan Nassar e Bernardo Carvalho. A ficção desses autores provoca a emergência de um pensamento crítico-literário renovado. Defendemos a
ideia de que há um “mundo crítico do texto” que dialoga e desconstrói o “texto crítico do mundo” afetado pelo contexto com/contra o qual se relaciona. Deste modo, interrogamos na literatura de que forma se estabelecem o pensamento histórico, social, político e filosófico, dentre outros entre-lugares discursivos.
O objetivo deste artigo é problematizar as relações entre História e Literatura a partir da proposta metodológica pensada por Carlo Ginzburg, que sugere ao historiador que, ao invés de apenas analisar o produto literário final, ele concentre-se em suas fases preparatórias. Para problematizar isso foram consultados manuscritos de Guimarães Rosa como fontes primárias, e ali encontramos registro de certo questionamento da História. Nossos resultados sublinham a peculiaridade da perspectiva rosiana sobre o processo histórico, especialmente ao ressignificar o conflito entre os letrados e os iletrados, que é um dos mais violentos e silenciosos de nossa História Cultural até hoje.
Neste artigo propomos abordar o papel de João Guimarães Rosa na literatura de seu tempo,
examinando a obra Primeiras estórias (1962) e problematizando sua relação com a História a
partir de seu conto inicial e também do final, que são protagonizados por Menino, o qual teria
viajado ao local onde se edificava a grande cidade, remetendo à construção de Brasília e ao
processo histórico de urbanização do Brasil, que ali é visto a partir do olhar de uma criança.
Nossa análise centra-se na questão da ficção como mediadora engendradora dos discursos da
Literatura e da História, que é ideia defendida por teóricos como Luiz Costa Lima e Carlo
Ginzburg. Nossos resultados sublinham que a perspectiva literária rosiana, ao abordar a História,
não reproduz o discurso da historiografia, mas aposta em uma criativa reapresentação.
Este artigo visa discutir a possibilidade de abordar uma obra literária -
Grande Sertão: Veredas, clássico de João Guimarães Rosa - como “lugar de
memória” e ponte para penetrar na história do sertão de Minas Gerais, região quase
sempre colocada à parte ou marginalizada na produção acadêmica. Retomando
criticamente as ideias de alguns autores que contribuíram para a teorização sobre as
relações entre memória e história, procuro apontar caminhos interpretativos e
possibilidades de utilização da referida obra na ciência histórica.
A discussão entre as semelhanças, diferenças e inter-relações entre história e literatura, realidade e ficção, permeia as obras de muitos especialistas de ambas as áreas há muito tempo. Vocábulos como estória e história foram – e ainda são, em alguns contextos – usados, no Brasil, com diferentes significados: estória referir-se-ia a ficções, algumas vezes mirabolantes e inverossímeis, e história trataria do real. Na obra rosiana, a História e a Estória coexistem em perfeita harmonia. As fronteiras entre o histórico e o mito são tênues, quase imperceptíveis. Em suas narrativas, a realidade brasileira, a religiosidade, as tradições populares – as histórias – estão inseridas nas “estórias” de forma suave e inseparável. Neste artigo pretendemos refletir sobre as possíveis relações, empreendidas por Guimarães Rosa, entre a história e a estória nos contos “Nas margens da alegria” e “Os cimos”, de Primeiras estórias, livro publicado em 1962.
PALAVRAS-CHAVE: Estória, história, Guimarães Rosa.
O presente trabalho apresenta algumas reflexões sobre o conjunto de novelas de Guimarães Rosa intitulado Corpo de baile a partir de concepções míticas e místicas de origens diversas ? algumas delas apontadas como suas fontes pelo próprio autor ? e da consideração de questões histórico-sociológicas que se colocavam para os intelectuais brasileiros no tempo da formação do escritor e da publicação do livro.