Questionar as categorias da História estava entre os objetivos assumidos pelo projeto literário de Guimarães Rosa e foi o próprio escritor quem, em 1967, levou tal debate para a ambiência libertadora da poesia. Para refletir como isso teria se operado naquela escritura, foram consultados alguns materiais que o autor utilizou no processo de literatura: Cadernos e Cadernetas. Em que pese à importância das já bastante difundidas cadernetas, também a leitura dos cadernos rosianos é bastante rica, ainda que, curiosamente, estes ainda não tenham sido tema de nenhum trabalho de referência que os tomasse como documentos autônomos, capazes de expressar algo sobre si mesmo e sobre aquela escrita literária. Neste artigo, propomos apresentar uma leitura detalhada daquele conteúdo, pois é possível perceber ali que, embora aqueles sejam documentos privados, eles são como poemas, pois seu conteúdo é capaz de induzir a um estado poético e revelar novos vislumbres daquela escritura, a saber: alguns questionamentos, objetivos e também de que maneira foram estabelecidas relações com a cultura popular, e a perspectiva infantil.
Com as estórias publicadas na década de 1960, João Guimarães Rosa assumiu um distanciamento da lógica da História através de uma aproximação da comicidade pela via da anedota. Para abordar como teria se composto esse questionamento foram consultados alguns de seus manuscritos literários, mais especificamente os seus Cadernos de Anotações, nos quais encontramos um pequeno anedotário inspirador que nos permite acessar diferenciadas relações entre realidade e transcendência por intermédio da graça, é sobre isso que trata este artigo. Os manuscritos rosianos consultados estão disponíveis para pesquisadores no arquivo do IEB, no Fundo de sua segunda esposa Aracy de Carvalho Guimarães Rosa (IEB-ACGR) e também no acervo rosiano na Fundação Casa Rui Barbosa (FCRB). Analisar estes documentos inéditos, além de ser uma oportunidade de abordar o complexo processo de escrita rosiano, também abre caminhos para que se reflita sobre humor, tema que não é usualmente abordado pela crítica do autor, o que torna esta contribuição original. Para analisar melhor esse conteúdo, nos apoiamos em recentes reflexões teóricas sobre Crítica Genética, História e Humor.
O objetivo deste artigo é problematizar as relações entre História e Literatura a partir da proposta metodológica pensada por Carlo Ginzburg, que sugere ao historiador que, ao invés de apenas analisar o produto literário final, ele concentre-se em suas fases preparatórias. Para problematizar isso foram consultados manuscritos de Guimarães Rosa como fontes primárias, e ali encontramos registro de certo questionamento da História. Nossos resultados sublinham a peculiaridade da perspectiva rosiana sobre o processo histórico, especialmente ao ressignificar o conflito entre os letrados e os iletrados, que é um dos mais violentos e silenciosos de nossa História Cultural até hoje.
Na década de 1960, a representação de crianças na obra literária de João Guimarães Rosa sofreu modificação e nela, além de tratar dos meninos, o autor passou a escrever estórias em que protagonistas são as meninas. Esse destaque da mulher quando criança pode esboçar um desenho do novo papel social assumido pelo feminino na década seguinte.
Neste artigo propomos abordar o papel de João Guimarães Rosa na literatura de seu tempo,
examinando a obra Primeiras estórias (1962) e problematizando sua relação com a História a
partir de seu conto inicial e também do final, que são protagonizados por Menino, o qual teria
viajado ao local onde se edificava a grande cidade, remetendo à construção de Brasília e ao
processo histórico de urbanização do Brasil, que ali é visto a partir do olhar de uma criança.
Nossa análise centra-se na questão da ficção como mediadora engendradora dos discursos da
Literatura e da História, que é ideia defendida por teóricos como Luiz Costa Lima e Carlo
Ginzburg. Nossos resultados sublinham que a perspectiva literária rosiana, ao abordar a História,
não reproduz o discurso da historiografia, mas aposta em uma criativa reapresentação.
Pensando nas relações entre História e Literatura, propomos uma consideração acerca da escritura, compreendida como um elemento da construção ficcional que atua como instância mediadora, relevando as questões em torno da ficcionalidade enquanto um operador que nos permite contemplar certos procedimentos rosianos dentre os quais, por exemplo, o fato de o autor utilizar o lápis de cor , a fim de destacar a função transitória e imaginativa do texto, aspecto que inspirou o título desta tese. Durante a década de 1960, a escritura de João Guimarães Rosa começou a ganhar novos tons em relação à produção que tinha sido publicada até então, visto que ele passou a escrever textos mais curtos, com linguagem mais condensada, desenvolvendo o que ele denominou de Estórias. Como gênero narrativo curto, próximo da anedota, as estórias contrapõem-se diretamente à grande narrativa da História, já que nelas as noções de tempo e de direção, assumidas pela historiografia tradicional, são sempre postas em xeque, sendo que tal questionamento pode aparecer através da proximidade com alguns temas que também são contrários à perspectiva linear, tal como a infância. Visando tanto problematizar essas instâncias como nos aproximar da própria construção da escritura rosiana, além de publicações de Rosa como algumas estórias selecionadas e a correspondência desenhada que manteve com a neta de pouca idade Vera Ooó , foi consultado especialmente o conteúdo do acervo do autor disponível nos arquivos do IEB e da Fundação Casa de Rui Barbosa, notadamente os seus Cadernos manuscritos, nos quais foram flagradas diversas referências à infância e à maneira das crianças lidarem com a linguagem, aspecto que nos permitiu visualizar imagens difusas da ligação entre infância e História naquela escritura.
Em 1967 João Guimarães Rosa publica Tutaméia: Terceiras Estórias, livro em que a história é questionada desde o início, quando o autor define seu texto como estória, uma forma narrativa mais próxima à anedota e contrária às grandes narrações da historiografia. Em Tutaméia, o sertão mineiro não é apenas um cenário de carências que só pode ser expresso por discursos míticos, pois também possui a sua história, que é contada nestes textos literários extremamente herméticos, que se sustentam na temática da memória e da invenção. Para interpretar estas estórias e situá-las no contexto da modernização do sertão, partimos de pesquisas arquivísticas, filológicas e empíricas, com o objetivo de encontrar um lugar legítimo para a história na obra rosiana.