As Primeiras estórias, de Guimarães Rosa, são originais em dois sentidos: porque nenhuma outra se lhes assemelha e porque contêm sua origem em si mesmas. Como tais, suscitam a constituição de um homem novo e patrocinam a abertura de um mundo inédito. Sob as vinte e uma primeiras estórias, uma mesma estória abissalmente se conta, que diversamente se encena. Arvorando-se em torno da pergunta essencial que sepropõe na estória central do livro – “Você chegou a existir?” –, as estórias são atos genesíacos primordiais a partir dos quais forja o homem um si próprio, estabelecendo um “pacto de puro entusiasmo” com a vida, que é incessante invenção de novidade. As duas estórias escolhidas para interpretação – “Um moço muito branco” e “Tarantão, meu Patrão” – ilustram a pedagogia ascensional da poética rosiana e oferecem a oportunidade de se apresentar uma visão geral do conjunto do livro.
Este trabalho aborda a linguagem de Guimarães Rosa e os seus mecanismos de realização. Interesse dizer que a linguagem do autor não reproduz certo uso sertanejo da língua portuguesa, mas antes se realiza como matéria artística, na medida em que propõe agenciamentos de sentido que se reportam ao universo engendrado pelas narrativas do autor e não a um sertão pretensamente histórico e geográfico. Para demonstrar os mecanismos de funcionamento da linguagem de Rosa analisa-se o conto
Tarantão,meu patrão , do livro Primeiras estórias, de 1962.
Na obra de João Guimarães Rosa, a loucura não é apenas um tema recorrente. Os loucos apresentam-se intimamente relacionados à poética do autor, são detentores de sabedorias que superam o campo estritamente racional, são seres ligados ao mundo profético, à poesia, à criança e a todos os elementos que simbolizam o homem criativo. A partir de uma das sagas de Corpo de baile e de algumas das estórias que compõem a obra Primeiras estórias, este trabalho propõe um estudo de personagens que vivem à margem da razão, de modo a entender a singularidade do desatino rosiano.
O estudo que se apresenta intenciona investigar a pontuação como uma das estratégias de linguagem engendrada na construção narrativa que possibilita a articulação de diversas vozes e consciências de modo que o texto literário mobilize princípios polifônicos. A pontuação, elemento presente na escrita, é tradicionalmente concebida pelos programas e prática escolar dentro da disciplina de Língua Portuguesa como elemento de notação que diz respeito a aspectos da oralidade (para auxiliar a leitura) e reduzida ao nível da frase. Porém, a perspectiva contemplada nesta pesquisa concebe os sinais gráficos imbuídos de outras facetas, além da proposição normativa que refrata a face discursiva e textual. Propõe-se apontar possibilidades de realizar um deslocamento da visão tradicional de pontuação, enfocando a potencialidade enunciativa e discursiva desses sinais, tornando-os fundamentais para a configuração de sentido do texto, atuando no território do discurso. Propondo apontar possibilidades outras dos sinais de pontuação, também se constitui como desafio desse trabalho não dissociar língua e literatura, uma vez que se toma por objeto de análise três contos escritos por Guimarães Rosa “Sorôco, sua mãe, sua filha”, “A menina de lá” e “Tarantão, meu patrão...”– integrantes do livro Primeiras Estórias (1962) e realiza um exercício de análise da construção narrativa associado ao uso da pontuação mobilizado nesse discurso. Essa proposta de trabalho encontra-se, dessa forma, ajustada à linha de pesquisa Subjetividade, Texto e Ensino que prevê pesquisas que promovam uma melhor compreensão da relação língua/linguagem/literatura com o discurso e o texto. Na sua elaboração recorreu-se a vários teóricos os quais permitiram avançar na análise de aspectos linguísticos (especificamente sobre o emprego dos sinais gráficos na constituição de sentidos do texto) e outros autores e seus estudos acerca dos processos de enunciação na produção literária. A fundamentação teórica principal adotada é de Mikhail Mikhailovich Bakhtin (1895-1975) – grande filósofo da linguagem do século XX. Conceitos da complexa arquitetura bakhtiniana oferecem suporte ao estudo da linguagem e, especificamente este trabalho dialogará com os conceitos de dialogismo, polifonia, plurilinguismo. Para o trabalho de levantamento bibliográfico na área de estudo da pontuação, destacam-se as contribuições de Véronique Dahlet (2002, 2006, 2007), Lourenço Chacon (1998), Tânia Câmara (2007, 2008) Bernardes (2002), Saleh (2009, 2010, 2012) entre outros. A escolha de três contos de João Guimarães Rosa se dá por sua ruptura com a linguagem fazendo uma espécie de renovação estilística, fator que possibilita reafirmar o quanto a pontuação amplia as possibilidades de sentido de um texto literário.
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