Leitura de aspectos da cultura popular, presentes no processo de construção ficcional de Guimarães Rosa, o “contista de contos críticos”, que confessara: "Não preciso inventar contos, eles vêm até mim”. Pela alquimia da palavra em seu estado primitivo, a fusão do real e ficcional com o obsessiva defesa de que "a legítima literatura deve ser vida". A multiplicação do imaginário rural mineiro na narrativa rosiana, especificamente, em contos de Tutaméia e Ave, Palavra. Historia e estória no cotidiano do povo do sertão mineiro. Pelo jogo da memória narrativa popular, a construção da identidade cultural sertaneja e a recriação do mito: "No sertão, o homem é o eu que ainda não encontrou o tu: por isso ali os anjos ou o diabo ainda manuseiam a língua".
Este trabalho tem como objetivo investigar a figuração do 'estrangeiro' e suas relações com o habitante nativo nos contos de João Guimarães Rosa intitulados: "O cavalo que bebia cerveja", "Orientação", "Faraó e a água do rio", "O outro ou o outro" e "Zingaresca". Nossa empreitada centraliza-se no estudo das tensões vinculadas à prática da hospitalidade e/ou hostilidade exercida pelos personagens nativos, os 'anfitriões', sobre os personagens estrangeiros, os 'hóspedes' em questão. Investigar a possibilidade de existência de uma hospitalidade no sertão rosiano, e a complexidade de sentimentos e comportamentos envolvidos no contato entre nativo e sertanejo, também foram objetivos que perseguimos. Ainda nos detivemos no exame da assimilação do elemento estrangeiro pelo nativo, processo que gera e culmina em um enriquecimento pessoal proporcionado pelo convívio com as diferenças. Nossas percepções encontraram apoio em reflexões empreendidas por teóricos como Jacques Derrida (sobre a questão da hospitalidade e do estrangeiro), Edward Said (principalmente no que se refere à construção de imagens arbitrárias que costumam mediar nossas relações com a alteridade) e Hillis Miller (no que se refere à profunda relação entre hospitalidade e hostilidade).
Este trabalho tem por objetivo apresentar uma leitura de "Zingarêsca", último conto de Tutaméia (Terceiras Estórias) (1967), de Guimarães Rosa (1908-1967), buscando evidenciar as características do grotesco que tornam o mundo do personagem Zepaz um mundo estranhado que já não permite uma orientação - conforme teoria discutida por Wolfgang Kayser. Pretende, ainda, mostrar, amparado pela teoria de Mikhail Bakhtin sobre carnavalização, que o grotesco se faz presente na eliminação de censuras ocasionada pela festa carnavalesca dos zíngaros, originando, assim, a dissolução do que é considerado ordenado, a desconstrução do convencional. Para atingir os objetivos pretendidos, este estudo divide-se em duas partes. Em um primeiro momento, em virtude dos diálogos entre os textos da obra, há uma análise geral de Tutaméia. A seguir, "Faraó e a água do rio", "O outro ou o outro", "Intruge-se" e "Vida ensinada" são focalizados, uma vez que "Zingarêsca" retoma personagens presentes nos citados contos. Na segunda parte, os caminhos percorridos no trabalho, finalmente, cruzam-se. "Zingarêsca" é, primeiramente, analisada visando o estabelecimento de oposições entre grupos de personagens. Estabelecidas as oposições, analisa-se, a seguir, a configuração rosiana do grotesco. Configuração esta que faz de "Zingarêsca" um conto no qual ocorre o encontro de opostos.
Na contemporaneidade, o estudo do espaço tem despertado o interesse de pesquisadores de diferentes campos do saber. Nesse cenário, constata-se uma diversidade conceitual oriunda de variados campos epistemológicos. Na literatura, o espaço é utilizado para situar e caracterizar os personagens, para antecipar a história narrada, para propiciar a ação, dentre outras funções, conforme Borges Filho
(2007), por isso é uma categoria promissora para o estudo da obra literária. Todavia, verifica-se ainda uma carência de pesquisas sobre tal aspecto, sendo o trabalho de Osman Lins (1976), Lima Barreto e o espaço romanesco, uma das melhores incursões brasileiras no estudo do espaço ficcional. Na ficção de João Guimarães Rosa, o espaço é um procedimento temático e formal que suscita valiosos
questionamentos para a compreensão de sua poética. Em sua vasta fortuna crítica ainda se verifica uma certa preferência pela representação do sertão físico e/ou mítico. No entanto, instâncias simbólicas e metafóricas da natureza de outros lugares, dos não lugares e dos entrelugares, emblemáticos espaços no discurso romanesco rosiano, ainda não tiveram o reconhecimento merecido pela crítica especializada. Nessa perspectiva, objetivamos, nesta pesquisa, analisar contos
integrantes das obras Primeiras estórias (1962) e Tutaméia: terceiras estórias (1967), do referido escritor, dando destaque à análise do espaço e seus termos correlatos. Trata-se de uma leitura crítico-comparativa de quatro contos, sendo “A terceira margem do rio” e “Nenhum, Nenhuma”, de Primeiras estórias e “Lá, nas campinas” e “Faraó e a água do rio”, de Tutaméia: terceiras estórias. Para tal direcionamento, consideramos fundamentais os conceitos sobre o espaço de Brandão (2013), Lins (1976), Bachelard (2008), Foucault (2001), Bakhtin (1998), dentre outros teóricos. Também são oportunas as perspectivas de Augé (2012) sobre as noções de não-lugares, e as contribuições de Fantini (2003) sobre a dimensão de fronteiras na ficção rosiana, bem como outras referências norteadoras da Teoria da Literatura sobre questões relativas à narrativa de ficção. A partir do
enfoque comparativo, verificamos o espaço como categoria significativa para a compreensão da ficção de Guimarães Rosa, sobretudo as metáforas ligadas à noção de margens, fronteiras, entrelugar, entre outros.
O presente estudo tem como proposta investigar quais são os elementos discursivos que compõem a anedota de abstração e os efeitos de sentidos gerados devido à presença recorrente desses recursos nos contos de “Tutameia- Terceiras Estórias”, de Guimarães Rosa. Para tanto, procedemos um exame da fortuna crítica, em especial, sobre o primeiro prefácio, “Aletria e Hermenêutica”, em virtude das reflexões estéticas apresentadas por Guimarães Rosa a respeito da composição da anedota de abstração e da teoria do conto, uma vez que são consideradas pelo autor como um subgênero do conto. Ademais, observamos que o conto rosiano desdobra-se em diversos planos narrativos e acessa a diferentes dimensões do real por meio desse recurso. Desse modo, parte do sentido do texto está em um plano diferente do da narrativa principal e, ao utilizar a anedota de abstração, o autor contorna a ausência da onisciência do narrador e fluxo de consciência para sugerir uma nova maneira de se aproximar das emoções e sentimentos das personagens. Com base nessa premissa, investigamos, de forma qualitativa, as principais características da anedota da abstração levando em conta as relações desse gênero com a anedota, o cômico e a estética do conto. Para tanto, foram utilizados os conceitos palavra bruta, palavra essencial e neutro de Maurice Blanchot; a definição “fora” de Maurice Blanchot, Michel Foucault e Gilles Deleuze; a concepção da vontade de verdade de Michel Foucault; os procedimentos do cômico e da linguagem cômica de Henri Bergson; e a teoria do conto de Ricardo Piglia, Cleusa Rios Passos e Regina Pontieri. Nesta pesquisa, a análise dos contos “Estória nº 3”, “Faraó e a água do rio” e “− Uai, eu?” demonstraram que a anedota de abstração é a proposta estética de Guimarães ao conto moderno, visto que há uma narrativa aparente. No entanto, são os elementos discursivos da anedota de abstração que acessam a estória secreta e revelam a outra dimensão do real nos fazendo sentir aquilo que nos deseja contar
Centro de Letras e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Letras.
A presente tese analisou a representação dos personagens estrangeiros na obra de João Guimarães Rosa. Observou os elementos narrativos que os caracterizam, configurados pelos processos de troca e assimilação cultural. “O estrangeiro em conflito com o sertanejo” verifica os casos dos estrangeiros em situação de embate com o nativo, em “Traços biográficos de Lalino Salãthiel ou A volta do marido pródigo”, “Faraó e a água do rio”, “O outro ou o outro” e “Zingarêsca”. “Trocas afetivas” trata do romance rosiano, Grande sertão: veredas. Nele, verifica como os estrangeiros participam da formação social do narrador protagonista. “Traduzindo o sertanejo” revela como a tentativa de compreensão do nativo, em “O recado do morro”, torna-se fator indispensável para a solução do enigma que o próprio recado carrega. “Nostalgia do estrangeiro” examina os contos “O cavalo que bebia cerveja”, “Um moço muito branco” e “Orientação”, a fim de observar a passagem do estranhamento à saudade que marca a enunciação. Por fim, confirmou a tese de que as personagens estrangeiras são aceitas pelo sertanejo de modo cordial. Por isso, desempenham papel ativo na composição deste sertão mundo de Guimarães Rosa. Seja como elemento que reforça as características sertanejas através do contraste ou pelas trocas materiais e imateriais que realiza com o homem do sertão.
Em A Poética do espaço, Bachelard (1989) concebe o espaço da casa como um “estado de alma”, espaço que “fala de uma intimidade”. Sob a ótica bachelardiana, a casa constitui o sujeito, fixa sua memória e suas raízes. Roberto da Matta (1987) em seu livro A casa e a rua afirma que a casa é o espaço da família, da ordem e do conforto, em oposição à rua que representa o lugar público da desordem, do perigo e do anonimato. É, pois, seguindo esta linha de raciocínio que este trabalho – recorte de um estudo maior - se propõe a analisar aspectos do espaço e da identidade no conto “Faraó e a água do rio”, integrante de Tutaméia: terceiras estórias (1967), obra de João Guimarães Rosa. Trata-se de um enfoque teórico-crítico da narrativa rosiana, tendo como propósito identificar, na arquitetura ficcional, o imaginário circunscrito na lei da ordem familiar, representada na imagem dos fazendeiros da Fazenda Crispins, com suas tachas de cem anos de eternidade - um mundo de identidade marcada pelos esp
Em A Poética do espaço, Bachelard (1989) concebe o espaço da casa como um “estado de alma”, espaço que “fala de uma intimidade”. Sob a ótica bachelardiana, a casa constitui o sujeito, fixa sua memória e suas raízes. Roberto da Matta (1987) em seu livro A casa e a rua afirma que a casa é o espaço da família, da ordem e do conforto, em oposição à rua que representa o lugar público da desordem, do perigo e do anonimato. É, pois, seguindo esta linha de raciocínio que este trabalho – recorte de um estudo maior - se propõe a analisar aspectos do espaço e da identidade no conto “Faraó e a água do rio”, integrante de Tutaméia: terceiras estórias (1967), obra de João Guimarães Rosa. Trata-se de um enfoque teórico-crítico da narrativa rosiana, tendo como propósito identificar, na arquitetura ficcional, o imaginário circunscrito na lei da ordem familiar, representada na imagem dos fazendeiros da Fazenda Crispins, com suas tachas de cem anos de eternidade - um mundo de identidade marcada pelos espaços partilhados e por traços de um cotidiano organizado – em oposição aos aspectos que regem as regras básicas do viver mundano, itinerante, e clandestino, expresso na figura dos ciganos. A narrativa pontua a dicotomia entre casa e rua, terra e desterrado, lugar e não-lugar – modos de vida diametralmente opostas desses sujeitos, fazendeiros e ciganos, de sinas tão contrárias: os primeiros fadados a conviver até a morte em suas terras, passadas de pai pra filho, de geração para geração, tal como aconteceu com a fazendeira Siantônia; os ciganos, por sua vez, nômades e fugitivos, são aqueles que, por ordem do Faraó, fazem da mobilidade e da incerteza os princípios básicos de seu viver. É oportuno afirmar que os fazendeiros representam a tradição, expressa na metáfora da casa, enquanto que os ciganos emblematizam o espaço aberto e infinito, sujeitos inscritos na sociedade do instante, da insegurança e da adversidade, signo da “mentalidade de sobrevivência” tal como concebe Cristhopher Lasch (1987) ao referir-se a nova relação que o homem contemporâneo tem com o espaço, o que se apreende de seu conceito “mínimo eu” como marca do sujeito da pós-modernidade.
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