Traduire João Guimarães Rosa est une expérience à part. Dans cet article nous interrogeons ce texte si particulier au regard de la traduction. L’art du traduire, en effet, nous permet de plonger au cœur même de la singularité de cette écriture qui n’a rien de semblable, non seulement au Brésil, mais dans le monde entier. Et qu’en est-il du traducteur ? Est-il une personne gênante qu’il faudrait si possible oublier ? Nous explorons ici Grande Sertão: Veredas, bien sûr, qui reste le chef d’œuvre de l’auteur, ainsi que les nouvelles du recueil posthume Estas Estórias.
Partindo da hipótese de que, nos contos semi-acabados desse livro de Guimarães, revelam-se mais explicitamente certos mecanismos da narração, através dos quais se evidencia o confronto entre as chamadas culturas erudita e popular, o texto se propõe a investigar os modos de narrar empregados para identificar as ambigüidades do confronto cultural aí dramatizado, o que nos permitirá problematizar a proverbial adesão do autor (real e implícito) aos valores da cultura sertaneja.
Adotando os seguintes pontos de partida: (i) o parecer analítico de que a literatura canônica de João Guimarães Rosa, constituída pelos livros por ele publicados em vida (Sagarana, Corpo de baile, Grande sertão: veredas, Primeiras estórias e Tutameia), entre 1946 e 1967, assenta-se, de modo preponderante, sobre algumas coordenadas recorrentes como a narrativa de ficção, o espaço rural sertanejo e o aproveitamento da dicção oral; (ii) a percepção tradicional de que Guimarães Rosa eximiu-se de usar explicitamente a sua literatura como instrumento de intervenção nos debates públicos de seu tempo; (iii) a constatação da existência de numerosos escritos do autor, compostos ao longo de toda a sua carreira literária e somente reunidos em edições póstumas, os quais, até os dias de hoje, na sua maioria, receberam discreta atenção crítico-acadêmica; (iv) a verificação da presença, no arquivo-espólio do escritor mineiro no IEB-USP, de uma quantidade não irrelevante de manuscritos de narrativas inacabadas em diversos graus de desenvolvimento; assumidos esses pontos de partida, esta tese tem por objetivo demonstrar como, em produções rosianas menos lidas e examinadas criticamente, assim como em algumas daquelas nunca dadas a público em decorrência de seu estado de incompletude, são observáveis rupturas e abandonos das coordenadas fundamentais acima referidas, havendo maior exploração de gêneros discursivos alheios à narrativa de ficção, o aparecimento mais prevalente do espaço citadino, o favorecimento do registro urbano culto em detrimento da elocução oral (além de outras modalizações e oscilações tonais e formais que diferenciam esses textos da literatura rosiana mais tradicional) e, por último, um posicionamento ativo do autor com respeito a algumas questões em pauta à época. Ao mesmo tempo, pretendemos reconectar esses textos "marginais" e inacabados com o todo da obra do autor, e flagar, na trajetória literária de Guimarães Rosa, uma espécie de dialética entre o mesmo e o outro, entre a repetição de fórmulas consagradas e a experimentação de variadas soluções expressionais e de veiculação de sentido, alternância que permite dar corpo a uma visão mais plural e alargada do escritor que foi Guimarães Rosa.
Muitas vezes o leitor das narrativas de Guimarães Rosa depara-se com um narrador ou personagem que podem ser lidos como uma figuração do escritor graças à associação entre aspectos textuais (temas, personagens, narradores) e informações acerca do autor. A identificação ocorre também pelo ajuste do texto ao repertório de imagens e posturas autorais que dialogam com as escolhas da obra lida repertório também acessado pelo escritor para a construção de sua figura autoral. Esta tese discute como o escritor criou figurações autorais, procurando entender a dinâmica de vinculação entre presença autoral e campo literário, além da construção da autorrepresentação em enunciações públicas (entrevistas e depoimentos) e privadas (diários e outros manuscritos), nas quais se observa o escritor produzindo figurações de si e afirmando posturas que sugerem um modo de interpretação de seus textos. Quanto às narrativas rosianas, a análise concentra-se em textos divulgados em periódicos e posteriormente reunidos em Tutaméia Terceiras Estórias (1967), Estas Estórias (1969) e Ave, Palavra (1970).
Estas Estórias, livro no qual convivem textos de tons e estilos diferentes, obrigou-nos a respeitar a autonomia própria da forma "conto", na realização de uma leitura que rastreia duas constantes, morte e alteridade, presentes nas narrativas do volume, de forma constitutiva ou tangencial. A presença da morte física e/ou metafórica se faz sentir, em maior ou menor proporção, no conjunto textual, bem como a alteridade, ligada ao duplo, ao cultural e ao confronto com o outro, viabilizando encontros decisivos para inesperadas alterações no destino das personagens. Embora determinados contos se integrem perfeitamente ao fio temático, outros não se encaixam com igual exatidão, devido à impecável autonomia. Assim, frente à expressiva diversidade da obra, preservamos diferenças e semelhanças, detendo-nos em pontos, ecos ou ressonâncias comuns, dando-lhes tratamento distinto em realação à temática escolhida.Sempre em função da autonomia, como percurso teórico de nossa pesquisa analítico-descritiva, escolhemos aspectos da psicanálise, particularmente o estranho freudiano, que nos permite perceber as relações morte/alteridade nas narrativas e, através das várias perspectivas adotadas, buscamos perceber as maneiras de tratamento dessas constantes e sua vinculaçào com o conjunto de producão ficcional do autor.
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