Em suas manifestações iniciais, a literatura na América Latina desempenhou um papel determinante no processo colonizador, funcionando muitas vezes como expressão dos padrões culturais do colonizador. Conforme desenvolveu-se, entretanto, a produção literária latino-americana possibilitou uma resistência às tendências colonizadoras, promovendo o resgate e revalorização de elementos característicos das tradições culturais nativas do continente americano. Esse papel de resistência foi amplamente estudado pelo crítico uruguaio Ángel Rama, sobretudo em seus escritos sobre a transculturação narrativa, conceito formulado a partir das contribuições do antropólogo cubano Fernando Ortiz. Rama mostrou-se particularmente interessado pelo modo como alguns escritores latino-americanos rearticularam no âmbito ficcional os aspectos próprios das tradições populares das regiões rurais da América Latina, criando a partir da fala dos habitantes do interior uma linguagem literária mais apropriada para expressar a visão de mundo engendrada por esses elementos culturais. Um dos autores estudados por Rama é Guimarães Rosa. De fato, os pontos centrais da proposta poética do escritor mineiro vão ao encontro do conceito de transculturação desenvolvido pelo crítico uruguaio. Nesse sentido, a proposta deste artigo é analisar o conto “Meu tio o iauaretê” (1961) para explicitar os procedimentos de transculturação narrativa empregados por Guimarães Rosa. O objetivo é explorar a partir da obra rosiana o papel de resistência cultural desempenhado pela literatura latino-americana, mostrando como o conto contribui para uma reafirmação e valorização de elementos próprios da cultura indígena frente a problemática da colonização.
O objetivo deste trabalho é analisar o romance A Confissão da Leoa (2012), de Mia Couto e o conto “Meu tio o Iauaretê” (1961), de Guimarães Rosa. O estudo será conduzido sob uma perspectiva comparatista com o intuito de estabelecer aproximações e divergências entre as obras escolhidas, visto que o romance de Couto dialoga com o conto rosiano. A análise se concentrará na maneira como ambas as obras trabalham a questão da animalidade inerente ao ser-humano, assim como a linha tênue entre o que é humano e o que é animal. Além disso, analisa-se o tema da animalidade e a violência social que apresentam os textos de Rosa e Couto. Pretende-se, também, colocar em pauta a questão colonialista que marca tanto o Brasil quanto Moçambique, – cenário da obra de Mia Couto. O Brasil não-urbano e animalesco de Rosa em “Meu tio o Iauaretê”, convida-nos a problematizar a nossa condição de ex-colônia e também o entendimento do que é aproximar-se de uma circunstância não-racional do ser.
Noções e conceitos como atraso cultural, hegemonia, “tronco original”, matriz, “galhos secundários”, subalternidade, entre outros, permeiam as discussões sobre cultura e identidade e demarcam relações assimétricas de poder. A literatura, parte constitutiva dos processos cultural e identitário de uma nação, assimila essas relações e exemplifica, muitas vezes, tais conceitos. A partir de texto “Meu tio o Iauaretê”, de João Guimarães Rosa, analisa-se a transformação identitária da personagem e algumas das implicações culturais da narrativa.
Instituto de Estudos da Linguagem. Programa de Pós-Graduação em Teoria e História Literária
Esta tese de doutorado investiga a vocalidade na obra de Guimarães Rosa. O conceito de vocalidade, definido a partir dos trabalhos de Paul Zumthor, considera a voz não apenas como suporte ou veículo sonoro da palavra, mas também como manifestação de sentido que reverbera aquém e além da palavra. No texto literário de Guimarães Rosa, a dimensão da vocalidade é trabalhada no próprio corpo sensório da palavra poética, que produz feixes de sentido que escapam às determinações da linguagem e, dessa maneira, conseguem aludir ao que seria indizível no sertão rosiano. Além disso, as mais variadas e estranhas vozes escutadas nesse sertão ocupam um lugar central no desenvolvimento de algumas narrativas, como "Meu tio o Iauaretê", "Buriti" e "O recado do morro", que são detidamente analisadas. Em "Meu tio o Iauaretê", a vocalidade alia-se à questão da animalidade no decorrer da metamorfose do narrador em onça, cuja fala é continuamente atravessada por ruídos aquém do humano, quando a linguagem corre o risco de ser devorada pela irrupção de uma voz animal. Em "Buriti", a voragem sonora das noites do sertão é apreendida pela escuta hipersensível da personagem Chefe Zequiel, capaz de alcançar um núcleo insondável da noite, uma "voz de criatura" que mal resvala o sentido, mas que será revertida no erotismo pujante dessa novela. Em "O recado do morro", um recado enviado pelo Morro da Garça vai se formulando de modo fragmentado e confuso, à medida que é passado e alterado por sete mensageiros. Essa transmissão depende do entusiasmo (enthousiasmós, em grego = com um deus dentro de si) que se manifesta na voz das personagens para além das palavras do recado, até ele se organizar e se revelar na forma de um poema cantado. Por fim, essas questões são retomadas e expandidas com o objetivo de mostrar como a vocalidade ganha extensão em outras narrativas de Guimarães Rosa e elabora a seu modo importantes eixos temáticos dessa obra ficcional.
Programa de Pós-graduação em Estudos de Literatura
Neste nosso trabalho propomos analisar três contos de João Guimarães Rosa Sorôco, sua mãe, sua filha (1962), A terceira margem do rio (1962) e Meu tio o Iauaretê (1969) pelo viés da teoria psicanalítica. As duas principais noções que estruturarão nossa leitura são: a cultura (Kultur), a partir dos estudos de Sigmund Freud (1930), e o significante, por meio dos apontamentos de Jacques Lacan (1957). Tendo por base tais noções pretendemos mostrar como em Rosa se arquiteta esteticamente a tragicidade da constituição cultural (cf. Walnice Nogueira Galvão, 1978). A cultura (Kultur), firmada a partir de tabus que limitam a realização dos desejos humanos, causa mal-estar (Unbehagen). Deste modo, o homem acaba criando uma relação problemática com este universo repleto de privações fundamentadas na Lei. Tal problemática é encenada nestes três contos rosianos de diferentes maneiras. Somos assim, defrontados com o sentimento de culpa oriundo da instauração cultural (Freud, 1912-1913) , com a loucura, e com a ilusão (Illusion) (cf. Freud, 1927) de um possível retorno à Natureza tempo mítico e místico da completude do sujeito. Tudo se passa no microcosmo das relações familiares (pai e filho nas margens do rio, Sorôco, sua mãe e sua filha, e o sobrinho do Iauaretê), que vão de encontro às relações de parentesco (cf. Lévi-Strauss, 1949); ou seja, fechar-se na família prejudica a união na cultura (Kultur), que tem por intuito a supremacia dos laços artificiais sociais em detrimento das relações naturais (cf. Lévi-Strauss, 1949) familiares.
Programa de Pós - Graduação em Estudos de Linguagem
A presente dissertação desenvolve uma reflexão sobre o funcionamento da linguagem em um conjunto de contos produzidos por Guimarães Rosa, na perspectiva de uma potencial subversão do real. Para essa abordagem, consideramos que o modo de expressão dos contos em análise transgride e questiona a lógica do real, na medida em que instauram novas leis para o encaminhamento das ações nas narrativas em destaque. Os contos selecionados para análise são “O burrinho Pedrês”, de Sagarana (1946), “O espelho”, de Primeiras Estórias (1962), e “Meu tio o Iauaretê”, de Estas Estórias (1969). Como aparato teórico para potencializar a reflexão, discutiremos a teoria clássica sobre o fantástico, proposta principalmente por Tzvetan Todorov (1970) e as considerações de David Roas em seu estudo A ameaça do Fantástico (2014), em que questiona e problematiza as proposições de Todorov; para a abordagem da produção de Rosa será tomada também a crítica de Antonio Candido sobre o "super-regionalismo" em Guimarães Rosa (1987).
A presente tese apresenta uma análise das relações entre três novelas de João Guimarães Rosa e o veículo que lhes serviu de suporte, a revista Senhor, publicada entre março de 1959 e março de 1964. O objetivo é propor uma interpretação de A simples e exata estória do burrinho do Comandante, Meu tio o Iauaretê e A estória do Homem do Pinguelo, que vieram a compor o póstumo Estas estórias, à luz de uma poética cultural, a que vigorou no período da construção e inauguração de Brasília. O discurso cultural que caracteriza a era de Juscelino Kubitschek pauta-se pelas ideias de desenvolvimento, modernização e integração. A revista Senhor é ícone dessa era, e reuniu em suas páginas o que era sinônimo de novidade, sem deixar de ser brasileira. Como ocorre com os textos publicados pela revista, a obra de Rosa compõe parte desse discurso cultural, na medida em que o projeto literário do autor tem o dialogismo, uma forma de integração, como pilar central. Os lugares tanto da revista quanto do autor no campo literário são considerados para se veja neles uma convergência, e para que se os considere como partes constituintes de um mesmo discurso.
Guimarães Rosa com seus neologismos se caracteriza principalmente por uma tendência
mimética, sendo, entretanto irrealista. Na balança entre o realismo e irrealismo em suas
obras e em especial no conto “Meu tio o Iauaretê”, o autor reflete na estrutura a sua
preocupação com o nível das ideias e da linguagem ou das aparências e da essência.
Tendo em vista este contexto, objetiva-se neste trabalho apresentar uma análise
estrutural linguística e literária do conto “Meu Tio o Iauaretê”, tendo como base as
dicotomias aparentes no texto. Para tanto, foram analisados os fundamentos teóricos de
Bosi (1981), Campos (1970), Calobrezi (2001), Citelli (1998), Covizzi (1978), Fiorin
(1995), Fiorin e Savioli (1991), Filho (1986) e Rogel (1985) que embasam as
afirmações exploradas no texto.
Uma das características que garante destaque ao romance O coração das trevas, de Joseph Conrad, e que será decisivo na repercussão de sua história é a maneira como constrói imagens. Conrad constrói uma imagem da África, do projeto colonial e, especialmente, dos povos nativos do Congo, apresentados em condição de selvageria. Diferentemente do selvagem em Conrad, o personagem de “Meu tio, o Iauaretê”, de Guimarães Rosa, é quem possui a palavra na narrativa e quem apresenta sua história. A partir da leitura dos textos literários, será problematizada a concepção de “humanização” adotada por Antônio Cândido em “Estímulos da criação literária” (1965), “A literatura e a formação do homem” (1972) e “O direito a literatura” (1988), além do trabalho etnográfico sobre a sociedade caipira Os Parceiros do Rio Bonito (1964). A discussão acerca das categorias de civilização e barbárie, humanização e animalização, será norteada pelos pressupostos teóricos de Antônio Cândido e do diálogo com outros au
Se considerarmos, como Walter Benjamin, que para o tradutor a primazia é dada ao original, podemos afirmar que todo original é atemporal, seja ele datado do século XVI ou XXI, e a razão é que a “tradutibilidade” do texto enquanto original é sempre um "après-coup". Ou, como diria Borges: “A verdade é que cada escritor cria os seus precursores. A sua obra modifica a nossa concepção do passado, como há de modificar o futuro.” Agamben, por sua vez, dirá que o contemporâneo é inatual, anacrônico. Não só porque o tradutor se transforma, nunca é o mesmo ontem hoje e amanhã, mas porque o texto só poderá ser considerado contemporâneo após a passagem do tempo enquanto precursor, enquanto extemporâneo. Nesse sentido, se considerarmos, por exemplo, Meu Tio o Iauaretê de João Guimarães Rosa como um texto precursor, inédito e original, seria interessante examinarmos as propostas francesas de tradução que ele induziu para apreciar em que medida o texto é um original e em que medida suas traduções man
A partir do conceito de devir na obra de Gilles Deleuze e Felix Guattari, principalmente quando relacionado à obra de Franz Kafka, estabelecer pontes com o conto de João Guimarães Rosa, “Meu tio o Iauaretê”. Perceber na literatura o lado do inacabamento, sempre em via de se fazer, os atravessamentos, o entre-meio, o delírio do devir-animal. Observar na escrita a decomposição da língua materna e a recuperação da voz e da força de uma língua menor. Enfrentar o desafio de unir duas altas potências (a filosofia e a literatura) em um outro plano de composição: a imagem.
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