O presente artigo tem como objetivo refletir sobre a presença do Diabo no romance Grande sertão: veredas (1956), de Guimarães Rosa (1908-1967). Desse modo, analisaremos essa figura diabólica, tantas vezes lembrada pelo narrador-personagem Riobaldo, sob três faces ao longo da narrativa. Para isso, consideraremos os três diabos como parte de um projeto dramático para a constituição do discurso riobaldiano (NUNES, 2013; ARRIGUCCI JR., 1994; SCHWARZ, 1981). O primeiro diz respeito ao diabo evidenciado na luta bélica, como parte constituinte do conflito, o segundo configura aquele ligado às reflexões do narrador-personagem, visto como ponto da existência ou não do Maligno, e o terceiro encaminha-se para o outro, isto é, um demônio que se multiplica em outras personas, como se dá com Hermógenes. Entretanto, o Diabo e a Luta fazem parte de uma mesma conjuntura na ficção rosiana, desenvolvendo-se como amálgama de um mundo mais rudimentar, primário e de difícil definição e separação, porque, nele, a mistura se dá como motor que move os homens para a mescla da violência em situação de combate. Palavras-chave: Grande sertão: veredas. Guimarães Rosa. Diabo. DOI: https://doi.org/10.47295/mgren.v10i1.2875
Encontram-se, no bojo da literatura moderna, obras as quais zeram da temática da temporalidade o leitmotiv da criação literária. Com base nessa perspectiva, objetiva-se examinar o aspecto da fragmentação temporal na construção de A paixão segundo G.H., de Clarice Lispector, e de Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa. Por meio da comparação dessas duas obras, poder-se-á apontar como a construção de uma escritura temporalmente fragmentada possibilita o surgimento de uma literatura que coloca em suspensão a noção de realidade e de humanidade e, por meio disso, radicaliza a relação entre forma, tempo e linguagem.
Com sua linguagem renovadora, a publicação de
Sagarana (1946), de Guimarães Rosa, abriu novas perspectivas
para a prosa brasileira, no sentido de incorporação do mágico e do
poético, exigindo da crítica novos conceitos e métodos de análise. A
interpretação dessa obra exigiu que os críticos discutissem (ou
rediscutissem) seus pressupostos hermenêuticos, o que levou
alguns a perceber, por exemplo, que o regionalismo, a cuja
tradição Sagarana estaria vinculada, não oferece todas as
possibilidades para a compreensão e explicação da obra como um
todo. Neste artigo, dar-se-á ênfase à narrativa “A hora e vez de
Augusto Matraga”, quanto aos seus aspectos formais e temáticos,
responsáveis pelo caráter inovador, em articulação com a reflexão
antropológica de Roberto DaMatta de Carnavais, malandros e
heróis (1981). Adotaremos, para o exame da organização formal
do texto, a divisão proposta por Fábio Freixieiro no seu ensaio “O
problema do gênero em Sagarana ”(FREIXIEIRO, 1971, p.
74-101). O autor divide o texto em três partes: 1) o primeiro Matraga;
2) a crise mística — a humilhação do protagonista; 3) encontro
com seu Joãozinho Bem-Bem. Por fim, discutir-se-á a
particularidade estética de que se reveste o banditismo em
Sagarana , cuja leitura exige, assim, uma problematização de tipos
humanos havidos como expressão e marca de uma região.
Este artigo tem como objetivo refletir sobre a presença da Necessidade (Anánké) no conto “Arroio-das-antas”, do livro Tutameia (2017), de João Guimarães Rosa. Trata-se de uma “aclimatação” do destino trágico grego no sertão do escritor mineiro, em convergências que se colocam no centro do Destino e da Origem como organização do mundo, em Cosmogonia, em que na narrativa de Rosa desenvolver-se-á como alegoria. Para isso, abordaremos a “estória” a partir da crítica que considera a obra rosiana como aberta às perspectivas universais, lugar onde convivem as diversas “vozes” da cultura humana, como a grega, por exemplo, assim como possibilidades, em que se lê as narrativas hermeneuticamente, como tantos críticos já o fizeram.
Este artigo apresenta o objetivo de refletir sobre o lugar do animal na ficção de Guimarães Rosa (1908-1967). Para isto, desenvolveremos uma análise de “As Garças”, último texto do seu livro póstumo, intitulado Ave, Palavra (1970), organizado por Paulo Rónai. Em nossa abordagem, temos a intenção de interpretar criticamente a relação homem/animal, evidenciando-a como questão que corrobora uma ficção atual no que tange às discussões sobre todos os viventes. Trata-se, neste sentido, de uma literatura que realiza um diálogo permanente com a animalidade, o qual chamaremos, aqui, de zooliteratura. Em nosso trabalho, destacamos os estudos de Lucas (1972), Cunha (2013), Souza (2011), Maciel (2011) e Giorgi (2016).
Este artigo tem como objetivo refletir sobre a presença da língua francesa em “Do Diário em Paris” e “Do Diário em Paris-III”, narrativas do livro Ave, Palavra, do escritor João Guimarães Rosa, publicado pela primeira vez em 1970. Para isso, abordaremos a língua francesa sob a perspectiva das imagens poéticas ao longo do texto, cujas construções colocam-se entre o cotidiano de Paris e as metáforas do “lieu”. Assim, nossa reflexão dar-se-á em torno das metáforas, tal como aparecem na narrativa roseana, desenvolvendo-se em breves frases, assim como no poema final, elaborado em francês, dividido em cinco estrofes, totalizando dezoito versos. Nesse sentido, propomos uma leitura do “diário” a partir de suas construções poéticas, as quais nascem do cotidiano da cidade, demarcadas em nomes de ruas, estações de trem, paisagens e relações sociais.
O presente artigo tem como objetivo abordar a presença da Necessidade e do Riso no conto “Estória nº 3”, narrativa do livro Tutameia (Terceiras estórias), de João Guimarães Rosa. Nossa reflexão colocar-se-á na inter-relação entre os sujeitos que compõe a “estória”, personagens que estão imersos numa situação de violência e competição, mas ao mesmo tempo, comandados pela “roda mestra”, que os coloca como meros “joguetes” diante da incerteza da vida. Nesse sentido, abordaremos nossa leitura na tradição crítica que considera o conjunto da ficção rosiana como universal, porque se desenvolve nas convergências que transbordam do humano, onde se encontra o seu destino, seus dramas e conflitos, emaranhados sempre da comicidade, aspecto comum de Terceiras estórias.
Este artigo visa a discutir a recepção crítica de Corpo de baile, de Guimarães Rosa, à luz do conceito de experiência estética formulado por Jauss (1979). Com base na hermenêutica literária proposta pelo pensador alemão, pode-se interpretar Corpo de baile como exaltação à literatura e ao corpo da linguagem. É possível pensar o ciclo narrativo como ciclo poético, elaboração formal e crítica fundidos em único objeto estético, e, ao mesmo tempo, refletir sobre a dimensão estética do homem. Buscar a hermenêutica para compreender a obra literária conduz-nos a perceber distinções fundamentais, tais como entre livro e mundo, objeto interpretado e sujeito interpretante. Assim, para uma compreensão de Corpo de baile, é preciso minimizar as manifestações implícitas de Guimarães Rosa, a fim de superar uma estética centrada no autor. Pensando a experiência estética em Corpo de baile ? projeto literário múltiplo, cuja configuração temática e formal ainda se discute ? com fundamentação na tríade aishesis, poesis e katharsis, não se visa somente examinar a recepção crítica de Guimarães Rosa, mas, sobretudo, compreender como, no interior mesmo da obra, se coloca a questão da dimensão estética. Cet article vise à étudier la réception critique de Corpo de baile, de Guimarães Rosa, à partir du concept d?expérience esthétique formulé par Jauss (1979). En tenant compte l?herméneutique littéraire proposée par H. R. Jauss, on peut interpréter Corpo de baile comme une exaltation de la littérature et du corps du langage. Il est possible donc penser l?ensemble narratif en question comme cycle poétique, forme et critique integrées dans un seul object esthétique. Chercher l?herméneutique à fin de comprendre l?oeuvre litteraire nous amène à percevoir différences fondamentaux, comme entre livre et monde, objet interprété et sujet interprétant. Pour une compréhension de Corpo de baile, il faut minimiser les manifestations implicites de Rosa, à fin de surmonter une esthétique centrée sur l?a
Este artigo tem como objetivo pensar a experiência tradutória de Ángel Crespo, tradutor de Grande
sertão: veredas (1956) para o espanhol, em sua relação com a ética da tradução proposta por Antoine Berman. Ao lado disso, busca-se também dimensionar o alcance político de Gran sertón: veredas (1967) e da atuação de Crespo como diretor da Revista de Cultura Brasileña, utilizando-se das reflexões de Barthes e Didi-Huberman, acerca do potencial político da linguagem e da experiência.
Este trabalho tem como objetivo fazer uma leitura de “A hora e vez de Augusto Matraga”, uma novela de Sagarana (1983) de João Guimarães Rosa, assim como, por conseguinte, analisar a recepção dessa novela com base em três textos, a saber: Rolim (2005), Sousa (2014) e Oliveira (2015). Ao tomar como base a ideia de Ricoeur (2013), sobre o mundo do texto, bem como a de que o texto literário seja de natureza discursiva, concretizando-se como um evento; a ideia de Jauß (1994a/1994b) de que o texto literário não surge num vácuo, pois não é de todo estranho ao seu público, bem como sua ideia de que a experiência estética se divide em dois momentos, um de identificação e outro de crítica (JAUß, 1974); da mesma maneira como consideramos a ideia de Candido (2015) sobre a paradoxal existência do personagem; dentre outros pensamentos. Com base nessas ideias, visamos discutir a recepção da novela que apontamos como nossa base de análise e discussão.
Este artigo tem como objetivo refletir sobre a presença de Paris como experiência poética em Ave, Palavra (2009), de João Guimarães Rosa. Para isso, analisaremos as várias imagens que se amontoam ao longo das impressões do autor diplomata no que tange à relação do homem a partir da cidade. Assim, pela impressão, o poeta toca o lugar, inserindo-o no plano reflexivo, sobretudo ao participar de experiências universais, em que há espaço para o ennui, em sentimentos que se conformam na tristeza, tédio da paisagem deprimente, em Spleen, assim como estímulo da poiesis no passeio público, em zológicos, parques e restaurantes. Neste estudo, discutiremos a presença de uma poética em Paris nos textos “Terrae Vis”, “Do Diário em Paris”, “Zoo (Jardin des plantes)” e “Zoo (Parc Zoologique du Bois de Vincennes)”.
Este artigo tem por objetivo refletir sobre a recepção de Grande sertão: veredas (1956), de Guimarães Rosa (1908-1967), por Paulo Mendes Campos (1922-1991), no contexto das crônicas, no qual chamaremos, neste trabalho, de “recepção de primeiras horas”, feito em contexto de divulgação em periódico, na conhecida Revista Manchete, em 13 de Outubro de 1956, na Coluna “Conversa Literária”, nº 234. Trata-se da crônica “Grande sertão: veredas (João Guimarães Rosa)” (1956). Ressaltaremos, nesta interpretação realizada no mesmo ano de publicação do romance, sua particularidade artística, assim como analisaremos sua leitura que enfatiza os elementos internos à narrativa de Guimarães Rosa, isto é, a interseção entre o universal e o moderno no pensamento do personagem Riobaldo. Além disso, para o comentário da leitura do romance rosiano por Campos, dialogaremos com outros intérpretes da obra do escritor mineiro, quanto ao que estamos considerando como primeira recepção, como Alvarenga (1956), Candido (1956 e 1957), Milliet (1959) e Proença (1958).
Este artigo versa sobre a linguagem do conto “Meu tio o Iauaretê” (1961) de João Guimarães Rosa em sua realização transgressora. Barthes (1978) identifica a linguagem ao poder afirmando que nela as estruturas de opressão se reproduzem e se mantêm. O poeta, para o pensador francês, é um dos únicos sujeitos capazes de estabelecer uma relação criativa com a linguagem passível de suspender sua fixidez, mesmo que por um breve momento, a esse ato Barthes chama de trapaça. Portanto, analisa-se no conto de Guimarães Rosa como o autor brasileiro “trapaceou” ao contar a estória de um matador de onças em “Meu tio o Iauaretê”. Ao lado disso, traça-se um paralelo entre a traduçãao criativa, como a compreende Haroldo de Campos no ensaio “A palavra vermelha de Hoelderlin” (1977), e a fala do matador de onças, observando como a linguagem deste encena ou faz-se metáfora da tradução criativa.
Este trabalho é um recorte de nossa pesquisa sobre a relação entre o texto literário e seu público. Aqui, discutimos dois textos de recepção da novela “A hora e a vez de Augusto Matraga” de Sagarana (1983), a saber: Luis Truzzi (2007) e Gustavo Ribeiro (2016). Tomamos como base a discussão de Hans Robert Jauβ sobre a experiência estética, considerando tanto seu lado positivo quanto seu lado negativo, ou seja, o gozo possibilitado pela diversidade de experiências na leitura, bem como a ampliação do horizonte possibilitada por meio desta, isto é, a percepção do leitor das hipocrisias sociais, bem como a compreensão de seu mundo e de si mesmo; por outro lado, a possibilidade utópica e doutrinadora que esta experiência pode possibilitar, principalmente quando em interação com leitores ingênuos.
Este artigo investiga o modo como o interdito e a transgressão se tornam aspectos congruentes da dinâmica erótica de “Buriti”, de João Guimarães Rosa (1908-1967) novela de Corpo de baile (1956) que se caracteriza por sua linguagem sensual. Dividida em três blocos narrativos, esta exposição analisará apenas a primeira parte da referida obra, com base na Estética da recepção de Hans-Robert Jauß (1921-1997) e nos estudos de Georges Bataille (1897-1962) cerca do erotismo.
Este estudo visa à compreensão de “Buriti”, novela de João Guimarães Rosa (1908-1967), a qual integra o volume Corpo de baile (1956), numa perspectiva dialógica, que privilegia a relação entre a obra literária e o leitor, bem como as suas implicações sobre a história recepcional. Dessa forma, a investigação empreendida neste artigo indicia as orientações teórico-metodológicas da crítica, para, com isso, referir as disparidades entre os diversos horizontes interpretativos da trama em pauta, os quais, sob os mais variados aspectos, renovam os estudos rosianos.
Este ensaio tem como objetivo refletir sobre a manifestação do sublime e da dúvida na narrativa “A Terceira margem do rio”, sexto conto do livro Primeiras Estórias, de Guimarães Rosa. A presente reflexão dá-se a partir do conceito de sublime, formulada pelo filósofo Friedrich Schiller, cuja máxima encontra-se no mito de Prometeu, a clave do herói trágico. Assim, desenvolveremos uma leitura na perspectiva do trágico instaurada na vivência de um sujeito sertanejo, personagem que constrói uma canoa para viver em uma terceira margem. Entretanto, a manifestação da sublimidade intercruza-se com a incerteza ao longo da narrativa, constituindo-se na própria negação do sublime, caraterizada pela existência da dúvida, elemento fundador das narrativas do século XX.
O volume Ave, palavra, de João Guimarães Rosa, obra póstuma, publicada em 1970, transcreve 54 textos considerados pelo escritor uma "miscelânea", que reúne notas de viagem, diários, poemas, contos, crônicas, flagrantes, reportagens poéticas e meditações, tudo o que, aliado à variedade temática de alguns textos em verso e de feição filosófica, constituiu sua colaboração de vinte anos em jornais e revistas brasileiras. Objetiva-se estudar a crônica "O mau humor de Wotan" (1948), de Guimarães Rosa, tomando por base o referido livro de 1970, com enfoque no problema da classificação dos textos e no caráter de testemunho destes.