Este artigo apresenta um estudo do conto “A volta do marido pródigo”, de Guimarães Rosa, com o foco na análise do personagem. Estabelecemos relações entre o anti-herói rosiano, o herói bíblico e o pícaro europeu. Para desenvolver tal análise, utilizamos a crítica de Roberto Schwarz (2012) e Antonio Candido (1993), bem como o pensamento do filósofo romeno Constantin Noica (2011), ao ressaltar que a recusa ou a carência do indivíduo perante o Geral (a lei, a ordem) caracteriza-se como uma doença do espírito contemporâneo. O presente estudo tem como objetivo contrapor as três categorias de heróis (o malandro, o bíblico e o pícaro), revelando suas semelhanças e divergências. Nosso método de pesquisa segue a crítica integrativa de Antonio Candido (1993), pois investiga a narrativa rosiana sob diferentes ângulos, observando o aspecto social e ontológico do personagem Lalino Salãthiel. O resultado deste estudo nos revela que o texto de Rosa apresenta uma sátira da narrativa bíblica ao mesmo tempo em que transcende o pícaro europeu. A categoria do malandro, como bem aponta Candido (1993), é uma peculiaridade do anti-herói brasileiro. Concluímos, assim, que a singularidade da malandragem de Lalino reforça a realização de sua individualidade e comprova que o seu espírito pode padecer de acatolia, ou seja, a recusa do Geral e a afirmação do individual, conforme nos esclarece Noica em sua obra As seis doenças do espírito contemporâneo.
Ao autor João Guimarães Rosa (1908-1967) atribui-se qualificativo de “pensador do Brasil”, assim como outras fórmulas correlatas: por exemplo, “retratista”, “intérprete” do país. A referência o ajusta ao lado dos clássicos ensaístas nacionais da primeira metade do século XX. Esta abordagem de “Traços biográficos de Lalino Salãthiel ou A volta do marido pródigo”, da obra Sagarana (1946), acompanha tal perspectiva. A narrativa dramatiza um dilema brasileiro, representando, de forma cômico-satírica, certas condições e aspectos da organização, formação de nossa sociedade, no âmbito sociopolítico. Na urdidura literária articulam-se imbricadas temática e forma estrutural do enredo na produção de sentidos. O recorte deste estudo centra seu argumento na elaboração literária da narrativa e no conceito de “cordialidade”, de Sérgio Buarque de Holanda. A propósito da atualidade e força do debate acerca do tema, ainda na ordem do dia, o sociólogo Francisco de Oliveira publicou artigo intitulado “Jeitinho e jeitão – uma tentativa de interpretação do caráter brasileiro” (2012), tendo como tese a defesa de que atributos das classes dominantes brasileiras são transmitidos às classes dominadas, o que constitui o caráter nacional. Circunscritos ao âmbito dessas questões convergem os apontamentos propostos sobre o texto rosiano.
O objetivo deste estudo é o de fazer uma leitura analítica do espaço narrativo no conto "A volta do marido pródigo", de Guimarães Rosa (1976). Tomando por base as concepções de Antonio Candido no artigo "Dialética da malandragem" (1993), em especial a da equivalência entre a ordem e a desordem, e com o amparo do artigo de Ivone Pereira Minaes, "A linguagem malandra em Guimarães Rosa" (1985), demonstra-se que Lalino Salãthiel, protagonista da narrativa, estabelece-se em três localizações espaciais distintas, cada uma delas correspondendo a um momento de sua peregrinação: o hemisfério da ordem, o hemisfério da desordem e, por fim, um hemisfério de equivalência entre a ordem e a desordem. Cada um destes espaços é cuidadosamente analisado com base principalmente nas proposições de Osman Lins no que se refere aos conceitos de atmosfera, ambientação e funções do espaço narrativo.
Apoiado no ensaio “Dialética da Malandragem – caracterização das Memórias de um Sargento de Milícias” de Antonio Candido e na sua definição da figura do malandro, este artigo propõe uma análise das personagens de Guimarães Rosa e Ariano Suassuna, respectivamente, Lalino Salãthiel e João Grilo como protótipos do malandro brasileiro. Para tanto esquadrinharemos os seus percursos em suas narrativas, bem como demonstraremos que as suas ligações à clássica novela picaresca e à commedia dell’arte não passam de referências.
O conjunto da obra de João Guimarães Rosa congrega as mais diversas fontes culturais e religiosas, as quais manifestam-se, entre outras formas, nas crenças e nas atitudes das personagens que compõem sua prolífica galeria. Representações do aspecto religioso podem ser notadas já na obra de estreia do escritor mineiro, Sagarana (1946), como podemos observar, por exemplo, na trajetória – de inspiração judaico-cristã – de Augusto Matraga, o arrogante fazendeiro que se converte em santo, e no percurso traçado por Lalino Salãthiel, o marido pródigo que nos remete à conhecida parábola, enunciada por Jesus Cristo, registrada no evangelho escrito por São Lucas. Assim, este estudo, de natureza comparativa, empreende uma análise da novela “A volta do marido pródigo”, procurando elucidar os principais elementos que se destacam na releitura proposta pelo autor. Os resultados evidenciam o caráter a um só tempo dessacralizador e inovador do texto rosiano, constituindo-se este como uma espécie de “contra-parábola”.
Estudo de três contos de Sagarana e de fragmentos de Grande sertão: veredas, orientado pela perspectiva dos estudos culturais, cujo foco é a representação de determinadas formas de manifestação de violência vinculadas aos paradigmas de honra e vingança (presentes no imaginário da cultura popular do sertão mineiro), através de uma metodologia interdisciplinar inerente à análise das relações entre literatura e identidade
cultural.
Este artigo pretende ressaltar a importância do tema do estrangeiro na obra de Guimarães Rosa. Mostraremos como o autor concede o discurso a indivíduos marginalizados, como o mulato e o imigrante no conto “A volta do marido pródigo”, e como atua como um transculturador e constrói pontes entre mundos e culturas diferentes. Mesmo quando os conflitos identitários não são solucionados, como é o caso da narrativa aqui estudada, percebe-se o respeito do autor pelas diferenças culturais, sem valer-se de estereótipos ou ideias preconcebidas a respeito de cada cultura. Evidenciaremos também como o autor ressalta a importância desses sujeitos na construção do país, seja através do braço do imigrante para o trabalho, seja na formação de um povo multiétnico, através das miscigenações, de que o retrato do mulato Lalino Salãthiel é o exemplo mais evidente.
O artigo investiga as marcas dos diferentes sentidos do tempo que configuram o substrato do conto “A volta do marido pródigo” de Guimarães Rosa. São apresentadas três diferentes abordagens sobre o tempo: a primeira enfatiza a dimensão universal e mítica da obra; a segunda coloca o foco em uma dimensão sócio-histórica, que retrata a sociedade na época. Em seguida, é proposta uma terceira abordagem, menos explorada pelos críticos em geral, que procura analisar a dinâmica social retratada por meio da trama, com base na premissa de Gurvitch de que existe um tempo para cada formação social.
Ao longo do período de colonização e até o início do século XX na região das minas no Brasil, houve uma dupla articulação de fluxos, que gerou especificidades na organização econômica e social: a ligação com as vias inter-regionais movimentou uma economia exportadora, enquanto, na região, organizou-se uma economia de abastecimento, por meio de uma rede de caminhos regionais e vicinais. O conto de Guimarães Rosa descreve o momento da transição, no qual esta estrutura duplamente articulada estava prestes a ser rompida: a construção da estrada entre São Paulo e Belo Horizonte significa, não apenas a ligação entre os dois importantes centros, mas anuncia, por onde passa, uma transformação no sertão e sua incorporação aos fluxos inter e extra regionais, dentro de uma dinâmica de globalização.
Fidelidade e infidelidade são comportamentos humanos corporificados por duas figuras míticas da Antiguidade: Helena e Penélope, personagens dos épicos Ilíada e Odisseia, atribuídos a Homero. Da literatura clássica migraram para a ficção contemporânea. Em Sagarana, de Guimarães Rosa, o tema da infidelidade, e seu avesso, a fidelidade, pode ser descrito a partir de suas aproximações às míticas Helena e Penélope.