Este artigo apresenta o conto “Conversa de Bois” de João Guimaraes Rosa em uma perspectiva fabular. O conceito de fábula abarca um grande espectro de significações, que vai desde: resumo, intriga, conjunto, construção, até o conceito mais formalista, que lhe dá um sentido mais material. No entanto, imprimiu-se no gênero como característica principal, o cumprimento de uma ação e o uso do antropomorfismo (quando animais assumem características humanas). Na verdade, essa característica é que define o gênero fábula, pois as personagens principais são animais. O termo fábula vem do latim, fari, que significa falar ou do grego, phao,significando contar algo. A narrativa tem uma natureza simbólica e/ou alegórica, retratando uma situação vivida por animais, remetendo-se à situação humana, com o objetivo de transmitir certa moralidade. Lembrando a estrutura proppiana entende-se que ao explorar a fábula, o autor mineiro recusa o estado efêmero do fazer literário, entendendo-o como constante e cíclico, um eterno exercício de reconhecimento. Não há como encerrar algo essencialmente inclinado a se perpetuar. A obra literária se emancipa de seu tempo, contexto e espaço, seguindo como expressão autônoma que é. A conversa é de bois e os ouvintes são os humanos. A literatura e o sertão são do mundo.
Este artigo pretende ler o conto “Conversa de Bois”, de João Guimarães Rosa, em paralelo com algumas narrativas bíblicas do “Gênesis”, particularmente os seus três primeiros capítulos, a partir dos conceitos de mito e consciência. Assim como as narrativas bíblicas constituem (também) uma ficção, a obra rosiana apresenta-se com este veio e esta identidade que por tanto tempo têm fascinado e intrigado seus leitores. Assim como o texto da Bíblia, as narrativas do mineiro de Cordisburgo buscam o leitor desde sua alienação cotidiana para a reflexão inquietante a respeito de si, de sua existência e de sua relação com o outro, levando esses mesmos leitores mais a questionar do que a responder. Neste sentido, buscaremos pensar o conceito de consciência, sobretudo a partir de algumas definições filosóficas e, particularmente, do pensamento de John Searle. Não é nossa pretensão, contudo, esgotar tal conceito - que se mostra altamente complexo - mas é nosso objetivo, portanto, tentar perceber como o conto e os relatos bíblicos colocam em relevo seus personagens sob a égide de questões internas que direcionam suas atitudes.
A partir da imagem da travessia de um carro de bois, imagem aparentemente simples, mas que perscruta os mistérios e desejos de outros mundos, o presente artigo realiza uma análise do conto Conversa de Bois de João Guimarães Rosa, explicitando a representação poética da separação entre a natureza e o homem subjacente ao episódio da travessia.
Em “Conversa de bois”, oitavo conto de Sagarana, de Guimarães Rosa, percebe-se a ocorrência do fenômeno do duplo: uma instabilidade do Eu que acarreta no surgimento de uma representação corpórea com as características inversas de um personagem. O Outro de Tiãozinho surge, gradativamente, ao longo da narrativa, na figura dos bois que puxam a carroça de Agenor Soronho. O objetivo deste artigo é investigar como ocorre esse processo e analisar as etapas que culminam no duplo. O amparo bibliográfico buscado é oriundo dos Estudos Literários, com autores como Antonio Candido (1989), Jean Chevalier e Alain Gheerbrant (2017), Walnice Nogueira Galvão (2008), Ana Maria Lisboa de Mello (2000), Mônica Meyer (2008), Otto Rank (2013), David Roas (2014), Clément Rosset (1976) e Irene Gilberto Simões (1998).
No presente artigo pretendemos analisar dois contos do sistema literário das literaturas de língua portuguesa, Conversa de Bois de Guimarães Rosa e Estória da Galinha e do ovo de José Luandino Vieira, com o objetivo de apontar a violência e a busca pela liberdade vivenciada pelas crianças nas duas narrativas. A nossa análise sustenta-se no aporte teórico de SCHØLLHAMMER (2013) acerca da violência, em LORENZ (2002) e BOSI (2002) sobre a resistência. Verificamos que os dois autores tem semelhança no trato dado a resistência tanto pelo tema quanto pela escrita e no fato de que as crianças resolvem os conflitos de duas formas: Tiãozinho com o auxílio dos bois em Guimarães Rosa e Beto e Xico com o respeito a tradição sem auxílio de ninguém.
O presente artigo realiza um estudo sobre o conto
“Conversa de Bois”, publicado em Sagarana (1984), de João
Guimarães Rosa. Partindo do universo popular da narrativa,
passando pelo recurso do mito utilizado, o nosso estudo, situando as
relações de dependência e servidão da personagem Tiãozinho e dos bois
ao carreiro Agenor Soronho, focaliza a reflexão das vozes bovinas na
qual se encadeia uma crítica à marcha civilizacional de subjugo ao
reino animal. Precisamente o desrecalque da fala dos bois, liberando a
imagem de uma ancestralidade escravizada e emudecida pelo tempo
histórico, reclama um lugar de justiça e visibilidade para a alteridade
obliterada.
A imaginação poética roseana garante e norteia os fluxos de uma arte literária geradora de um universo consubstanciado pela figura animal. Rosa deposita em sua tessitura, de forma sui generis, o intenso lirismo da palavra essencial para descrever delicadamente sua animália, porquanto o brilho celestial de seu bestiário reverbera de sua poesia primeira. Partindo da concepção filosófica de Gaston Bachelard acerca da essência poética de Lautréamont, lançamos um olhar sobre alguns possíveis aspectos que seriam destacados pelo filósofo francês no interior da ação poética roseana, enfatizando a relevância e as peculiaridades da figura animal estabelecida em meio à composição literária de Guimarães Rosa. Bachelard reflete acerca da excepcional poeticidade que Isidore Ducasse extrai da figura animal em Les Chants de Maldoror, no qual o poeta alcança o âmago do vigor poético por meio de impulsos primitivos gerados a partir da extrema agressividade e violência de seu bestiário, engendrando assim uma espécie de transmutação poética fundada em uma realidade psicológica. A essência da poesia ducasseana evoca um dizer genuíno, inesperado e arrebatador fundamentado na primitividade surrealista de experiências do pensamento. Nesse devir, Lautréamont recolhe seu dito poético do súbito das imagens, visto que as palavras já se esvaziaram de uma fala original, e perderam-se em sua transparência. O poeta dispensa a linguagem solapada pela falação para pronunciar seu discurso poético por meio de suas imagens, instaurando assim uma múltipla enunciação.
A novela “Conversa de bois”, de João Guimarães Rosa, se configura a partir da contação de causos por parte de diversos narradores – homens e animais do sertão. Mediante eloquente escala narrativa, a saga encenada acontece pelo entrelaçamento de retalhos dos eventos capturados aqui e ali pelos seus partícipes, que os transformam em criação literária. O presente estudo tem, pois, como objetivo demonstrar que, através da dialética entre fala, escuta e escritura, Rosa engendra um enredo cuja força motriz provém de uma técnica conhecida como “escritura de ouvido”, em que cada personagem, a seu turno, baseado em intuição e sensações, se empodera da soberania autoral ante a fala e sua subsequente transcrição, montando, assim, uma monumental diáspora mitopoética.
O presente artigo trata da questão da personificação dos animais em alguns contos de Clarice Lispector e Guimarães Rosa, analisando a importância e a finalidade desse recurso nas obras, bem como a forma como é explorado. O estudo busca também comparar os textos selecionados, apontar ou identificar as características das fábulas, tendo como base o conceito desse tipo de texto, e verificar se a forma como os autores utilizam essa estratégia influencia o fator de verossimilhança das obras. Além disso, serão abordadas a simbologia de alguns elementos encontrados nas narrativas, sua relação com o enredo e a oposição zoomorfismo X antropomorfismo como fator importante para evidenciar as características psicológicas dos personagens.
Aproximar o conto de Guimarães Rosa “Conversa de bois” (Sagarana, 1946) do quadro Vaca amarela (1911), de Franz Marc,pintor expressionista ligado ao movimento Der Blaue Reiter,significa repensar a representação dos animais, forçando os limites do comentário batailliano sobre a “mentira poética da animalidade” até fazer da poesia o lugar de uma verdade ética da hospitalidade com a qual se dá acolhida ao totalmente outro. Essa verdade se manifesta como exigência do impossível, como no dito de Derrida: “Um ato de hospitalidade só pode ser poético.” No conto, coexistem estruturas mais tradicionais de representação com a tentativa poética de encontrar, através da plasticidade da linguagem, algo que seria traço irredutível dos bichos; no quadro, a representação da vaca vista de fora se mistura ao cromatismo em amarelo com o qual o pintor busca apresentar poeticamente algo do afeto dos bichos em sua “visão de mundo”.
Neste trabalho, apresentam-se as personagens infantis em diferentes narrativas rosianas que realizam a trajetória de formação, caracterizando sua inserção no mundo adulto. Observa-se, no tratamento dispensado ao mundo infantil, de Sagarana a Primeiras estórias a formação da criança e passagens poéticas que acompanham essa trajetória.
Este trabalho analisa contos de Guimarães Rosa de Sagarana (1972) e Primeiras estórias (1972) em que aparecem personagens infantis, para compreender em que medida o espaço da natureza contribui para o aprendizado no percurso de formação da criança-aprendiz. No percurso das personagens infantis, a força da natureza exerce papel fundamental: para Tiãozinho, no conto “Conversa de bois”, ela está representada na participação ativa dos bois que intercedem, magicamente, em favor do menino; em “As margens da alegria” e “Os Cimos”, as descobertas do Menino acontecem, sobretudo, pela observação da natureza que se alterna de acordo com a sensibilidade da personagem em face dos acontecimentos; nanarrativa de Brejeirinha de “Partida do audaz navegante”, a paisagem passa a integrar a história inventada pela contadora-criança. As análises são realizadas a partir de pressupostos teóricos da narrativa, da filosofia e da tradição crítica sobre Guimarães Rosa.
O artigo é uma breve apresentação do projeto arquitetônico da Casa da Cultura do Sertão, uma intervenção em patrimônio histórico que partiu de uma pesquisa sobre cultura imaterial do sertão brasileiro, na região do Alto do Rio São Francisco, no Estado de Minas Gerais. Tomando o carro-de-bois como de objeto de estudos e engenho emblemático e representativo da cultura local, desenvolveu-se um método de abordagem da realidade do lugar tendo a literatura como guia, precisamente, a obra do escritor brasileiro João Guimarães Rosa.
Entendendo o texto literário como um campo de presença a partir do qual emerge a interação afetiva entre o sujeito-enunciatário-leitor e os sujeitos do enunciado, as personagens, a intenção do presente artigo é a de mostrar que mesmo os efeitos de sentido patêmicos produzidos sobre o leitor no momento da leitura são passíveis de uma análise semiótica. Nesse sentido, interessa chamar a atenção para o fato de os procedimentos de discursivização e de textualização, enquanto meios de manipulação do acesso do enunciatário aos valores veiculados pelo texto, permitirem a depreensão não só da estruturação semântico-sintáxica do texto a partir de determinada linguagem, mas também das modulações tensivas que sensibilizam o conteúdo transmitido, patemizando de modo específico a leitura do enunciatário, a interação que ele estabelece com os atores do enunciado. Para mostrar como isso se dá, examinaremos as estratégias enunciativas adotadas no conto “Conversa de bois”, de Guimarães Rosa.
Este artigo parte de um pressuposto hipotético que jamais poderá se confirmar e menos ainda se infirmar, que jamais poderá se resolver ou se dissolver em toda sua plenitude, e por aí mesmo alcançará sua pervivência (na perspectiva do Fortleben benjaminiano) e imortalidade, por meio de múltiplas tentativas de interpretação-tradução. Trata-se de um koan protobiográfico legado por Guimarães Rosa a seus leitores, que abarca o conjunto de sua obra e alcança sua morte enigmática, previamente anunciada em vários de seus escritos e em múltiplas declarações sábia e parcimoniosamente lançadas ao vento por meio de eficazes passadores de vozes. Para explicitar os elementos desse koan, e com apoio no último e conclusivo verso lançado por Rosa (“as pessoas não morrem, ficam encantadas”), o conto “Conversa de bois” será percorrido em busca de eventuais pistas de convergência temática, que prenunciariam o desenredo de Grande sertão: veredas e a morte-ressurreição de Guimarães, ocorrida exatamente três dias após a posse na Academia Brasileira de Letras. Buscamos responder à seguinte questão, no que se refere à pervivência: o que se pode inferir das alterações incidentes entre a versão original do conto (constante em Sezão, 1937) e a efetivamente publicada em Sagarana (1946)?
Embora tenham vivido em contextos diferentes — um, aquém, outro, além-mar –, João Guimarães Rosa (1908-1967) e Aquilino Ribeiro (1885-1963) podem ser aproximados por certos pontos de contato perceptíveis em suas obras, quando as examinamos com detida atenção. É possível observar analogias e, ao mesmo tempo, discrepâncias a partir de um olhar lançado sobre o estilo dos dois autores e sobre algumas de suas narrativas. É inegável que ambos trabalharam de forma autêntica com o regionalismo, a linguagem e a imaginação. Nesse sentido, este breve estudo objetiva contribuir, ainda que minimamente, para a ampliação do diálogo entre as obras dos escritores supracitados, apontando convergências entre elas. Para tanto, sob um viés comparatista, colocamos em confronto os contos “À hora de vésperas”, publicado em Jardim das tormentas (1913), obra de estreia do escritor português, e “Conversa de bois”, de Sagarana (1946), primeiro livro de contos do escritor brasileiro. Tocamos, inicialmente, de modo breve, na questão regionalista e analisamos, em seguida, as narrativas em epígrafe, focalizando os animais que nelas comparecem, em certos momentos, como verdadeiros protagonistas. Compreendemos que esse protagonismo manifesta-se, notadamente, pelo recurso da personificação e pelos diálogos que os animais travam entre si, em ambos os textos confrontados.