A literatura brasileira, passada em revista pelos historiadores da literatura, apresenta temas de variada identificação do brasileiro em diversas manifestações nativistas: Indianismo, Sertanismo, Regionalismo e Nacionalismo. Desde os primeiros textos literários, ainda em escritores com formação erudita, em Portugal, os historiadores detectam a condução do homem nascido no Brasil, emoldurado pela geografia, fauna, flora, língua e pelos costumes, à sublimação estética. Assim, em gêneros diversos: narrativa, poema épico, sátiras poemática e epistolar e teatro, encontram-se discursos definidores dos elementos particulares de uma nação, a determinar suas diferenças e autonomia em face de outras culturas. Este estudo evidencia as correspondências entre o desenvolvimento histórico nacional e sua expressão na linguagem literária. O tema nacional ocorre desde a lírica catequética de Anchieta, passando pela revisão modernista dos temas urbanos e rurais, recorrentes no cânone literário brasileiro.
Este artigo examina as obras de João Guimarães Rosa, Mário de Andrade e João Simões Lopes Neto com o objetivo de verificar em que medida pontos de contato identificados na ficção desses autores promovem rearranjos na série literária brasileira. O estudo parte da noção de tradição literária, tal qual formulada por T. S. Eliot e Jorge Luis Borges, e, em seguida, procura mapear a ocorrência de ressonâncias das principais obras de Mário de Andrade e Simões Lopes Neto na literatura de Guimarães Rosa. Assim procedendo, pretende averiguar como a obra de Guimarães Rosa ressignifica os textos de Mário de Andrade e Simões Lopes Neto, renovando sua legibilidade e modificando sua posição no campo literário.
Este texto propõe que no coração da literatura brasileira encontra-se o pulsar de uma escrita auditiva, elaborada por autores que “escrevem de ouvido”. O objetivo é conceituar o termo “escrita de ouvido”, e descrever a forma que assume na prosa de ficção, em especial no romance. Machado de Assis, Clarice Lispector e Guimarães Rosa são os escritores centrais dessa pesquisa, que também se aplica a outros escritores-chave como Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Graciliano Ramos. Pensa-se pois o ouvido como um terceiro termo para além da dicotomia entre a fala e a escrita, o romance, como um espaço de escuta, e a autoria, como um lugar de recepção mais do que de producão. Busca-se assim contribuir para uma poética da ressonância e uma história aural da literatura escrita em português com acentos multilíngues.
Este texto tem como objetivo revisitar o livro Escrever sobre escrever. Uma introdução crítica à crítica genética (AUTORES, 2007), mostrando uma nova visão histórica da disciplina e, principalmente, novas propostas interpretativas. Para isso, lançamos mão de discussões recentes dentro da crítica genética francesa e tentamos um dialogar com as propostas teóricas de Foucault, Bourdieu e Maingueneau, procurando uma visão de gênese mais ampla e menos descritiva. No final, recorremos a alguns exemplos de escritores brasileiros, como Machado de Assis, Mario de Andrade e Guimarães Rosa, para mostrar particularidades dos arquivos locais e as suas possibilidades de interpretação.
O artigo mostra reflexões sobre o erotismo e a inutilidade (BATAILLE, 2017; ANTELO, 2017), e sobre o absoluto (EINSTEIN, 2019) e suas consequências — como as reduções generalizantes (KRENAK, 2019; IMBASSAHY, 2019); partindo de uma análise dos significantes relacionados a flores — especialmente dos nomes de três personagens mulheres, Carmela e duas Rosas: Carmela, quase uma camélia; uma Rosa (simplesmente Rosa) de Mário de Andrade, que é uma “Rosa aberta”, no botão; e outra Rosa (Rosalina) de, também, um Rosa, Guimarães Rosa, esta na “desflor”. As três têm dentro e fora de si possibilidades de um reflorescimento. São estas personagens — d’A estória de Lélio e Lina, de João Guimarães Rosa (1978), e do livro “Os Contos de Belazarte”, de Mário de Andrade (1980) — que permitem uma ampla leitura do significante “rosa” (uma das mais famosas flores do mundo) e, por extensão, do significante “flor”. Isto é, uma leitura das estórias destas personagens permite quebrar a ideia do absoluto, e da forma que se representa a flor. As flores estão, deste modo, muito menos para formas estáveis do que para forças: há, em cada uma delas, formas infinitas, instáveis e indefinidas, como pontua o filósofo italiano Emanuelle Coccia (2018).
Instituto de Letras. Programa de Pós-Graduação em Letras
Neste trabalho estudamos o livro Os Contos de Belazarte, de Mário de Andrade, publicado em 1934. Nosso primeiro passo foi mostrar o descompasso entre o narrador e o que ele narra. Para isso, iniciamos na origem do narrador (primeiro nas histórias de Pedro Malasartes, depois nas Crônicas de Malazarte, textos do próprio Mário publicados na revista América Brasileira), baseado na tradição oral de contar histórias. Depois, tornou-se importante trabalhar com a história de São Paulo, intrincada na narrativa. Isso foi possível com o estudo da imigração e da tradição italianas da cidade, bem como da modernização, que aparece com inúmeras incoerências e é forjada, principalmente, no trabalho das pessoas do subúrbio. Analisamos também o conjunto da obra: desde as escritas e reescritas do texto até o mapeamento das mudanças de uma edição para outra. Nosso objetivo foi analisar a intenção de conjunto e de organização dos contos, o posicionamento do narrador, as escolhas narrativas, a organização dos contos, enfim, o que faz do livro um projeto estético. Por último, comparamos o conto “Piá não sofre? Sofre.” com outros que seguiam o mesmo tema: o universo infantil. A ideia foi traçar uma linha comparativa entre soluções de representação da infância e de desenvolvimento de narradores de outros contos com a mesma temática de autores como Machado de Assis, Alcântara Machado, Guimarães Rosa e do próprio Mário de Andrade.
In this dissertation, I describe how popular culture was represented in the experimental narratives of 20th Century Brazilian Literature. Taking advantage of their dialogic properties, I study how three experimental novels (Macunaima, Grande Sertao: Veredas and A hora da estrela) incorporate, reproduce, and undermine other discourses referring to the people. In a culture in which literature is commonly read as a resonance box of other kinds of discourses, I foreground how the representations created by these novels differ from other discourses---especially the essay---and cast new light to the notion Brazilian culture.
A busca pela matéria popular é um ponto de contato fundamental entre as obras de Mário de Andrade e Guimarães Rosa. Valorizando a vivência direta do Brasil dito "profundo", ambos empreenderam pesquisas de campo de cunho etnográfico pelo interior do país. Em meio à riqueza documental das respectivas viagens, dois personagens mereceram tratamento especial: o coqueiro Chico Antônio - retratado por Mário de Andrade na série Vida do cantador, publicada na Folha da Manhã entre agosto e setembro de 1943 - e o vaqueiro Manuelzão - que inspirou o protagonista de "Uma estória de amor", publicado por Guimarães Rosa em 1956 no conjunto do Corpo de baile. Os nexos entre os contos são substanciais: além da viagem como gênese, destacam-se a homonímia e homologia dos protagonistas com personagens reais, a ficção guarnecida de lastro etnográfico e os enredos talhados pela tradição oral. Na constituição do foco narrativo, entretanto, sobressaem disparidades importantes: enquanto a aderência empática rege a perspectiva do narrador rosiano em relação a Manuelzão e ao universo sertanejo em questão, a instabilidade e o pessimismo marcam o ponto de vista do narrador marioandradino em relação a Chico Antônio e a seu contexto histórico. A partir da análise do foco narrativo em Vida do cantador e "Uma estória de amor", a presente dissertação desenvolve uma leitura comparada dos contos, realçando nuances de contraste nos pontos de vista dos dois narradores, à luz das perspectivas dos autores em suas relações com o popular.
Este trabalho discute a relação entre literatura e homoerotismo e propõe um conceito de literatura homoerótica fundamentado a partir da análise crítica de seis narrativas brasileiras que têm como foco o homoerotismo masculino. Procura entender os mecanismos que envolvem a homofobia social e seus reflexos nos estudos literários. E, ao separar o desejo homoerótico de uma identidade gay, o trabalho busca mostrar que o homoerotismo pode ser lido como elemento estético, portanto literário, inerente a estruturas de determinadas narrativas. Assim, fazemos um estudo comparativo dos personagens Aleixo (Bom-Crioulo, de Adolfo Caminha) e Bembem (O menino do Gouveia, de Capadocio Maluco), refletimos sobre o pecado e a transgressão a partir dos personagens Juca ('Frederico Paciência', de Mário de Andrade) e Riobaldo (Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa), além de fazermos uma análise comparativa entre o conto 'Pílades e Orestes' (de Machado de Assis) e a novela 'Pela noite' (de Caio Fernando Abreu).