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Monteiro Lobato, um escritor rebelde
Prontuário: 6575
Identificado em: 10/06/1996
Pesquisador: Prof. Dr. Álvaro Gonçalves Antunes Andreucci

O documento em destaque é a Ficha de Identificação ou Registro Geral nº 61.391, de José Bento Monteiro Lobato (1882-1948), nascido na cidade de Taubaté e reconhecido como um dos mais influentes escritores da literatura infanto-juvenil -brasileira. Esta folha integra o seu Prontuário nº 6575, arquivado junto ao Fundo DEOPS/SP sob a guarda do Arquivo Público do Estado de São Paulo. O documento traz a clássica fotografia policial de frente e perfil de Monteiro Lobato, produzida pelo Laboratório Técnico de Fotografia do Gabinete de Investigações, datada de 21 de março de 1941. Nesta ocasião, Lobato tinha 59 anos. A razão desta sua prisão merece alguns comentários pois, alguns meses depois, Lobato foi libertado mediante um indulto concedido por Getúlio Vargas.

Ficou famoso o evento que envolveu o criador do personagem Jeca Tatu: Lobato escreveu uma carta, endereçada ao próprio Getúlio Vargas, atacando os rumos que a política do governo adotava em relação a exploração do petróleo nacional. Neste texto acusava o Conselho Nacional de Petróleo de retardar deliberadamente a criação da indústria petrolífera nacional além de perseguir as indústrias nacionais já instaladas no Brasil. O Delegado Adjunto de Investigações de Ordem Política de São Paulo, Rui Tavares Monteiro, fez um relatório sobre o caso, afirmando que Monteiro Lobato injuriou o presidente Vargas e procurou desmoralizar o Conselho de Petróleo. O caso ficou conhecido como “o escândalo do petróleo” e custou à Lobato um período de detenção, abonado posteriormente por um indulto de Getúlio Vargas em 17 de junho de 1941. Essa atitude revela uma das estratégias do ditador que sabia valer-se do autoritarismo para reprimir e, ao mesmo tempo, realizar atitudes benevolentes que prestavam-se para construir a imagem de um “bom” governante, de um “pai” da nação, enfim, daquele que concedia os benefícios para seus súditos.

Porém, Monteiro Lobato nunca deixou de perceber estas características do "teatro" político, e já manifestara sua posição quando da prisão do intelectual comunista Caio Prado Júnior, em 1935. Este, devido ao seu envolvimento com a Aliança Nacional Libertadora -- colocada na ilegalidade pela Lei de Segurança Nacional -- foi detido em 17 de outubro de 1937 e julgado pelo Tribunal de Segurança Nacional, um tribunal de exceção criado por Getúlio Vargas em 1936, ou seja, um pouco antes do golpe do Estado Novo, ocorrido em dezembro de 1937. Acabou sendo libertado por falta de provas. Importante lembrar que ilustres personagens da História do Brasil foram também julgados por esse tribunal, incluindo nesta lista alguns políticos cassados como João Mangabeira, ativistas como Luis Carlos Prestes e outros tantos artistas, intelectuais, operários, muitos dos quais “anônimos” perseguidos por suas idéias políticas. Lobato aproveitou a ocasião da detenção para escrever uma carta aberta num jornal (não identificado e anexado ao Prontuário nº 6575) louvando as posições de Caio Prado Júnior onde, em tom irônico, explicava os motivos pelos quais seu amigo foi preso: “(...) preso por seu digno, sincero, honesto nesta era de desonestos, corajoso neste tempo de covardes, limpo neste século de sujeiras.”

Monteiro Lobato, que recusou convites para participar tanto do governo como do Partido Comunista, foi alvo de outras perseguições policiais, revelando a face autoritária do governo Vargas. Seu livro Peter Pan, para crianças, foi tido como subversivo e apreendido por incitar os infantes a “doutrinas exóticas”, “práticas deformadoras do caráter”, etc. Mesmo após a saída de Vargas, durante o governo do general Dutra, o escritor foi alvo da repressão política, tendo outro de seus livros, o Zé Brasil, apreendido pela polícia. Sobre este fato, numa entrevista dada ao jornal Folha da Noite, em 5 de fevereiro de 1948 (artigo que também encontra-se anexado no seu prontuário), disse que era a própria Constituição quem lhe garantia o direito de “escrever histórias”. Porém, o escritor que morreu 5 meses após esta entrevista, não sabia quantas vezes estes fatos ainda se repetiriam, mesmo que Constituições afirmassem o direito ao pluralismo político e a livre expressão do pensamento.



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