O ensaio “A passos de barata, a saltos de onça” propõe uma discussão sobre a alteridade na literatura a partir da figura animal na obra de dois escritores brasileiros: Clarice Lispector (1920–1977) e João Guimarães Rosa (1908–1967). O estudo debruça-se mais precisamente sobre as obras A paixão segundo G.H., de 1964, e Meu tio o Iauaretê, publicado em livro em 1969, embora o texto tenha aparecido primeiramente na revista Senhor, em 1961. Entre estas duas narrativas, podemos encontrar a noção da figura animal e da alteridade determinadas nos anos sessenta. A dimensão de instantâneo será desenvolvida a partir da uma curta e intensa exposição dos narradores aos animais citados, a barata, no caso de Clarice Lispector, e a onça, no caso de João Guimarães Rosa, duas obras-primas, não apenas da literatura brasileira ou de expressão lusófona, mas também da história da literatura.
Em seu livro The open: man and animal, Giorgio Agamben argumenta que, embora a idéia do “humano” na sociedade ocidental tenha sido pensada, desde sempre, como uma misteriosa conjunção de um corpo natural e de um elemento sobrenatural, social ou divino, é preciso aprender a pensar o “humano” como o resultado de uma prática e de uma política intencional e deliberada de separação entre “humanidade” e “animalidade”. Baseando-nos nos conceitos deste crítico, e de outros como John Berger, W. J. T. Mitchell e Cary Wolfe, percorremos alguns textos de autores brasileiros, como Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Clarice Lispector e Osman Lins, analisando como a metáfora animal é utilizada para representar o ser humano abjeto, em condições de sujeição, marginalização e degradação, o que não só revela o modo como o “humano” pode vir a se relacionar com os seus semelhantes em situações adversas, mas também o modo como esse relacionamento reproduz o preconceito atávico de sua superioridade sobre a natureza e os animais.
Encontram-se, no bojo da literatura moderna, obras as quais zeram da temática da temporalidade o leitmotiv da criação literária. Com base nessa perspectiva, objetiva-se examinar o aspecto da fragmentação temporal na construção de A paixão segundo G.H., de Clarice Lispector, e de Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa. Por meio da comparação dessas duas obras, poder-se-á apontar como a construção de uma escritura temporalmente fragmentada possibilita o surgimento de uma literatura que coloca em suspensão a noção de realidade e de humanidade e, por meio disso, radicaliza a relação entre forma, tempo e linguagem.
Para Edward Said, intelectual é aquela figura cujo desempenho público não pode ser previsto nem forçado a enquadrar-se numa linha partidária ortodoxa ou num dogma rígido. Em As representações dos intelectuais, no entanto, ele se confessa desanimado com essa percepção, pela tendência que observa nesta classe de promover a alta cultura, deplorando o “homem comum” e a cultura de massa. Neste artigo, discutimos brevemente as estratégias de posicionamento crítico e autocrítico de Guimarães Rosa e de Clarice Lispector frente ao problema, a partir de uma abordagem comparativista do conto “A hora e a vez de Augusto Matraga” e da crônica “Um grama de radium – Mineirinho”.
O presente artigo se propõe a analisar a representação da infância, a partir da figura da criança como protagonista, e a ocorrência de ritos de passagem nas obras de Guimarães Rosa e Clarice Lispector. Pretende-se traçar um paralelo entre os contos “Restos de carnaval”, de Lispector, e “As margens da alegria”, de Rosa, analisando os aspectos estruturais do enredo a fim de comparar a forma como ambos os contos abordam as transformações da infância. A ingenuidade diante de um símbolo é um marco inicial de um ciclo nas duas narrativas, e, quando confrontada, gera uma modificação em toda a atmosfera dos contos e nas percepções das personagens sobre a vida. O final das narrações é marcado pelo surgimento de um novo símbolo que revive a esperança nas crianças, marcando o início de um novo ciclo. As duas narrativas se assemelham tanto nos aspectos estruturais da narração quanto nos sentimentos resultantes dos acontecimentos ao longo do enredo.
Guimarães Rosa e Clarice Lispector têm sido vistos como fenômenos isolados em nossa história literária, como se eles inaugurassem caminhos de todo inéditos em nossa literatura. Este trabalho procura mostrar que essa sensação se deve menos à obra desses dois autores do que à visão pouco abrangente que se cristalizou acerca da geração que os antecedeu. De fato, um olhar cuidadoso sobre o romance de 30 demonstra que o sistema literário brasileiro estava pronto para o surgimento de Guimarães e Clarice nos anos 40.
O presente artigo tem por objetivo estabelecer uma reflexão acerca das relações entre literatura e os Estudos Animais, a partir do diálogo com produções literárias e filosóficas.
O artigo toma como objeto a impossibilidade envolvida no ato do escritor para aproximá-la da que está em jogo para o sujeito no percurso de uma análise. Recorre aos testemunhos de Guimarães Rosa e Clarice Lispector, entre outros autores, que ao se depararem com uma constante defasagem entre o vivido e seu relato, encontram também com o impossível de alcançar na escrita, ou seja, com uma inatingível completude do texto. Reconhece aí elementos que causam os embaraços com que se depara o escritor para melhor identificar aqueles que rondam o analisante. O objetivo do trabalho não se reduz à mera analogia entre o fazer do escritor e o do paciente, mas busca estender para o trabalho em análise as questões cruciais apresentadas àquele que escreve. Conclui que o escritor, ao ver que nem tudo cabe em palavras, se submete a esse impossível para paradoxalmente achar a via que o leva a sua obra. Trata-se de examinar a operação que resulta nesse achado para iluminarmos a travessia do sujeito do inconsciente.
Este texto propõe que no coração da literatura brasileira encontra-se o pulsar de uma escrita auditiva, elaborada por autores que “escrevem de ouvido”. O objetivo é conceituar o termo “escrita de ouvido”, e descrever a forma que assume na prosa de ficção, em especial no romance. Machado de Assis, Clarice Lispector e Guimarães Rosa são os escritores centrais dessa pesquisa, que também se aplica a outros escritores-chave como Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Graciliano Ramos. Pensa-se pois o ouvido como um terceiro termo para além da dicotomia entre a fala e a escrita, o romance, como um espaço de escuta, e a autoria, como um lugar de recepção mais do que de producão. Busca-se assim contribuir para uma poética da ressonância e uma história aural da literatura escrita em português com acentos multilíngues.
O presente artigo trata da questão da personificação dos animais em alguns contos de Clarice Lispector e Guimarães Rosa, analisando a importância e a finalidade desse recurso nas obras, bem como a forma como é explorado. O estudo busca também comparar os textos selecionados, apontar ou identificar as características das fábulas, tendo como base o conceito desse tipo de texto, e verificar se a forma como os autores utilizam essa estratégia influencia o fator de verossimilhança das obras. Além disso, serão abordadas a simbologia de alguns elementos encontrados nas narrativas, sua relação com o enredo e a oposição zoomorfismo X antropomorfismo como fator importante para evidenciar as características psicológicas dos personagens.
Este artigo objetiva apresentar funções ampliadas dos textos literários por meio da intercessão de dois importantes conceitos: o de ‘deslocamento’, problematizado por Barthes na obra Aula; e o conceito de ‘literatura menor’, desenvolvido por Deleuze e Guattari. A questão problema que norteia a pesquisa é: Quais as funções do texto literário segundo Barthes e Deleuze e Guattari? Como procedimento metodológico, optou-se por fazer incursões pelas obras de Franz Kafka, João Guimarães Rosa e Clarice Lispector, realizando inferências que possibilitassem abordar esses conceitos nas narrativas literárias. Como resultado, sinaliza-se que as funções do texto literário, para Barthes, Deleuze e Guattari, são de deslocamentos que fogem das forças coercitivas da língua – o fascismo – e possibilitam a dúvida sobre seus sentidos, a contradição e a dinamicidade do texto, características que o situam como literatura ‘menor’.
Inscrevendo-se no coração da cidade moderna como espaço de (re)encontro do homem com os animais e uma natureza cada vez mais distante, o zoológico institui-se, na realidade, como um espaço artificial de marginalização e confinamento animal, reforçado as fronteiras entre o humano e o não-humano. Pretende-se pois, neste trabalho, indagar o modo como esse encontro entre o homem e o animal – através da jaula – é representado no texto literário, espaço privilegiado de apreensão da animalidade, porquanto nele o escritor tenta fixar, pela palavra articulada, a subjetividade dos animais, entrar, pelos poderes da ficção, na sua pele, imaginar o que eles diriam se falassem, conjeturar acerca dos seus saberes sobre o mundo e figurar a sua humanidade. Tomaremos como corpus de análise o conto “O búfalo” de Clarice Lispector (Laços de Família, 1960) e a série “Zôo” de João Guimarães Rosa (Ave Palavra, 1970), interpretados à luz das reflexões teóricas de autores como Gilles Deleuze, Jacques Derrida e John Berger.
Analisa-se em que medida a autorreferencialidade e o lúdico, recursos consagrados de modo particular pelas vanguardas modernas, são articulados na produção de Oswald de Andrade, e como os mesmos se constituem elementos a ser redinamizados posteriormente na literatura brasileira, como nos casos de Guimarães Rosa e de Clarice Lispector.
Pautado pelo que propõe a teoria da crítica cultural, mais especificamente no tocante às políticas da amizade, o ensaio discutirá a relação entre três grandes intelectuais: Machado de Assis, Clarice Lispector e Guimarães Rosa. No ensaio, dar-se-á atenção especial para o lugar e papel que Machado de Assis e Guimarães Rosa ocupam enquanto amigos intelectuais na produção cultural de Clarice Lispector. No tocante a Machado, discutir-se-á a presença da literatura do mesmo dentro da obra clariciana, posto que a escritora meio que zomba da tradição literária brasileira ao dizer que não se lembra se tinha algum livro do bruxo do Cosme Velho em sua estante. Por este viés crítico, pode-se argumentar até que ponto a literatura da escritora nasce dialogando diretamente com a referida tradição. Já com relação a Guimarães Rosa, é publico o fato de que ele nutria pela literatura da escritora uma verdadeira eleição de leitor, como atesta seu próprio comentário à amiga de que a lia não para a literatura mas para a vida. Clarice, por sua vez, era uma leitora contumaz de Rosa, além de admiradora de sua literatura, como fez questão de dizer por várias vezes, mesmo quando se encontrava fora do Brasil.Por fim, mostraremos como a literatura da escritora conseguiu se inscrever e sobressair na tradição literária brasileira, tendo numa ponta o escritor machado de Assis e, na outra, ninguém menos do que Guimarães Rosa.
Este estudo pretende discutir acerca da amizade literária entre os dois grandes escritores brasileiros, João Guimarães Rosa e Clarice Lispector. Sabe-se que ambos não só foram amigos, como um admirava a literatura do outro. Tal discussão pautar-se-á pelo que propõe a teoria da crítica
cultural biográfica, principalmente no tocante às relações de amizade. Entre outros autores, valeremo-nos do que propõe Francisco Ortega, em seus livros Para uma política da amizade: Arendt, Derrida, Foucault e Amizade e estética da existência em Foucault e Jacques Derrida, em seu Políticas da amizade. Embasado no que postula os autores, discutiremos o conceito de amizade como, grosso modo, um fio condutor de mão dupla, ou seja, uma forma de troca de favores, de interesses, onde o amigo “interessado” se relaciona com o outro a fim de obter algum tipo de proveito da relação, mesmo que este proveito seja sem a intenção propriamente dita. Discutiremos, ainda, com relação aos dois autores, quem poderia estar mais interessado nas relações/influências um do outro: Clarice
Lispector, uma escritora que, comparada a Rosa, se despontava na literatura, e Rosa, um astro literário, o que poderia ganhar com tal relação? Além de mostrarmos a importância e valor da referida amizade entre ambos os intelectuais para a crítica.
Este ensaio discute as representações da infância em contos de Clarice Lispector e Guimarães Rosa, a partir das relações familiares, do medo e da descoberta da sexualidade.