A criação de novas palavras é comum no processo de escrita de João Guimarães Rosa. Os neologismos que estruturam as obras do autor mineiro surgem da linguagem sertaneja, da reprodução de sons ouvidos e imaginados ou mesmo da combinação de raízes pertencentes a outras línguas. Isto se deve ao fato de que Rosa, além de poliglota, era atento ouvinte das conversas desenvolvidas no sertão mineiro. Na maioria das vezes, descobrir a origem de suas inventivas palavras favorece a compreensão das narrativas nas quais estão inseridas, e esse é o propósito das investigações do presente artigo, que busca uma conceituação da expressão Dão-lalalão – título para uma das novelas de Corpo de Baile. Para a construção de um conceito para o termo, será considerada a intertextualidade com a novela A estória de Lélio e Lina (2016), bem como a possibilidade de relação com antigas raízes da língua hebraica, cujo sentido emerge em narrativas bíblicas. No decorrer da investigação, será fundamental a percepção de que o significado de Dão-lalalão estende-se sobre as personagens principais da novela, Doralda e Soropita, justificando suas atitudes e personalidades. Este estudo, portanto, além de oferecer uma reflexão detalhada sobre o título de Dão-lalalão (2016), constitui-se também em uma proposta de interpretação para a novela.
Lélio, protagonista da novela “A estória de Lélio e Lina”, de Guimarães Rosa, inicia o seu processo de individuação através da busca pela imago paterna, que se encontra ocultada no elemento feminino, representado pelas mulheres mais importantes do texto - Sinhá-Linda, Jiní e dona Rosalina, que, juntas, compõem a anima do herói. Após difíceis provações afetivas na Fazenda do Pinhém, ele finalmente atinge a maturidade.
Ao contrário de uma ideologia civilizadora, muito forte no Brasil, em meados
do século XX, que defendia o avanço irrestrito da modernização e de uma atitude a ela
contrária, que quer preservar as culturas e comunidades tradicionais como peças de
museus, Rosa, em A estória de Lélio e Lina, mostra que o sertanejo é capaz de escolher
seu próprio caminho. Aproveitando-se do legado da tradição e das inovações da
modernidade, Lina irá ensinar a Lélio uma nova maneira de enxergar as relações sociais
e outra postura ético-política.
O artigo mostra reflexões sobre o erotismo e a inutilidade (BATAILLE, 2017; ANTELO, 2017), e sobre o absoluto (EINSTEIN, 2019) e suas consequências — como as reduções generalizantes (KRENAK, 2019; IMBASSAHY, 2019); partindo de uma análise dos significantes relacionados a flores — especialmente dos nomes de três personagens mulheres, Carmela e duas Rosas: Carmela, quase uma camélia; uma Rosa (simplesmente Rosa) de Mário de Andrade, que é uma “Rosa aberta”, no botão; e outra Rosa (Rosalina) de, também, um Rosa, Guimarães Rosa, esta na “desflor”. As três têm dentro e fora de si possibilidades de um reflorescimento. São estas personagens — d’A estória de Lélio e Lina, de João Guimarães Rosa (1978), e do livro “Os Contos de Belazarte”, de Mário de Andrade (1980) — que permitem uma ampla leitura do significante “rosa” (uma das mais famosas flores do mundo) e, por extensão, do significante “flor”. Isto é, uma leitura das estórias destas personagens permite quebrar a ideia do absoluto, e da forma que se representa a flor. As flores estão, deste modo, muito menos para formas estáveis do que para forças: há, em cada uma delas, formas infinitas, instáveis e indefinidas, como pontua o filósofo italiano Emanuelle Coccia (2018).
O ato de mover-se pelo espaço é marcado por amplos significados que são produzidos por sujeitos para os quais a mobilidade quase sempre representa mais do que um deslocamento físico. Para refletir sobre a produção de sentidos para o deslocamento espacial, propõe-se uma leitura de Corpo de Baile, de João Guimarães Rosa. A imagem central dos “corpos em baile” neste livro remete ao movimento como alternativa de vida, muitas vezes como única opção de sobrevivência, ou como solução que resulta da esperança de mudança de vida no contexto do sertão brasileiro; é também construída por sujeitos em crise, em que a estrada representa seu próprio devir. Este artigo apresenta uma reflexão sobre os mais diversos sentidos produzidos pelos personagens rosianos no que tange a temática da viagem, articulando-os aos conceitos de errância, travessia e peregrinatio. Os personagens das novelas Dão-lalalão (O Devente), Recado do Morro e Estória de Lélio e Lina estimulam uma reflexão sobre o deslocamento como experiência socioespacial e simbólica no contexto do sertão brasileiro. A partir da análise interpretativa das narrativas, o resultado da discussão levantada sugere a viagem como um dos aspectos centrais das estórias e, sobretudo, como condição extremamente arraigada nas relações espaciais e nas noções de ciclos que se sucedem no movimento da vida e da experiência.
Ancré sur les théories narratologiques, cet article a pour but de saisir comment, à l’intérieur d’un topos spécifique, le « sertão » du Minas Gerais, marqué essentiellement par le mouvement et par le passage, le jeune protagoniste Lélio, qui clôt la trilogie des trois âges de la vie formée par le premier volume de Corpo de Baile, de João Guimarães Rosa, se permet « une pause » illusoire. En effet, si pause il y a, dans cet univers où tout est parcours géographique, social et humain, elle n’est en fin de compte qu’une étape d’apprentissage vers un nouveau départ, destin auquel est voué tout homme du « sertão ».
Este artigo propõe uma leitura analítica de “A estória de Lélio e Lina” de Guimarães Rosa, tendo como principal objetivo demonstrar a influência da presença de temas míticos na composição das categorias narrativas. Para isso, elaboramos uma apresentação teórica a respeito do mito e utilizamos as propostas de Gérard Genette, principalmente no que diz respeito à voz e à focalização, bem como textos de críticos que se debruçaram sobre a obra de Rosa.
No presente estudo, objetiva-se analisar na novela A estória de Lélio e Lina, de João Guimarães Rosa -- que integra a obra Corpo de baile -- como esta se atém à transformação da família patriarcal -- até então centrada no pater familias cujo poder se estendia a todos os membros do clã, mas, com maior rigor às mulheres -- na família moderna, na qual este poder se esvanece. Será através da mudança no comportamento sexual feminino, presente na novela em análise, que terá início este processo de transformação que minará a velha estrutura patriarcal rural que imperou no Brasil deste o início da organização familiar no período colonial até o início do século XX.
Ansiando por uma mulher, Lélio aporta ao Pinhém. Nessa fazenda, é com uma senhora, dona Rosalina, que Lélio estabelece uma sincera e profunda amizade. Confessando suas paixões, Lélio recebe de Lina respostas a perguntas ainda não formuladas. Nessa escuta, o vaqueiro errante resgata o antigo desejo por uma moça ainda distante e parte novamente em busca dela, integrando interiormente um ideal a sua própria realidade. Das palavras consoladoras da curandeira em resposta às confidências do boiadeiro, é selada uma amizade legítima entre um moço e uma senhora, uma estória. O que, então, impulsiona Lélio a retomar viagem em busca da Moça Linda do Paracatú - seu ideal romântico - é a presença de um aporte de transformação da expectativa em esperança - Lina. Desse estreito e confidencial relacionamento, brota no jovem a compreensão do movimento cíclico e ascendente do desejo erótico. Encarnando Diotima, a sacerdotisa que elucida a Sócrates a especificidade constitutiva do sentimento amoroso, a curandeira Lina transmite um saber intuitivo: a insatisfação contínua própria da paixão. Vinculando-se ao diálogo platônico O Banquete, Guimarães Rosa atualiza uma narrativa mítica do amor.
Este artigo trata do lirismo de Guimarães Rosa que se volta para a idealização e sentimentalismo característicos dos contos de fada. Focaliza-se particularmente a personagem Rosalina, do romance "A estória de Lélio e Lina", do livro No Urubuquaquá, no Pinhém, velhinha de raras qualidades, cujas falas são impregnadas de poesia e sabedoria. O seu relacionamento com um moço vaqueiro, que, ao encontrá-la pela primeira vez, já se sente atraído pelos seus poderes incomuns, é mostrado como belíssimo caso de profunda afeição entre uma anciã e um jovem.
Análise dos diferentes processos de aprendizem em Guimarães Rosa, considerando o envolvimento de personagens, como Riobaldo, cujo conhecer provém da fé; como o de Lélio que se origina no amor, ou se faz a força ou por violência, como o de Augusto Matraga; participação do leitor, cujo aprender vem de seu próprio desarmamento para ouvir as éstorias rosianas; e o envolvimento do próprio autor, que repassa o fruto de sua aprendizagem através de suas concepções de linguagem e de literatura, de tradução e de mudança, no conjunto de sua obra e, em especial nos prefácios de Tutamélia.
Este trabalho aborda as questões da memória e da oralidade na narrativa de Guimarães Rosa. Adotamos uma análise comparativa entre a novela A história de Lélio e Lina e o respectivo registro oral – em forma de documentário – feito pelos Grupos de Contadores de Histórias de Cordisburgo e do Morro da Garça, em Minas Gerais. Analisamos no texto roseano transposto para o suporte audiovisual o que se mantém em um e outro e verificamos os possíveis efeitos que causam ao leitor e ao espectador. Na transposição, se a memória do texto escrito permanece, os elementos da oralidade e da memória sertaneja adquirem outra dimensão na fala dos narradores. Referenciamo-nos no livro A memória Coletiva, de Maurice Halbwachs, e na entrevista de Guimarães Rosa a Gunter Lorenz, na qual o escritor enfatiza aspectos decisivos de sua escrita, sua relação com a língua e linguagem e sua memória em relação ao sertão.
Este artigo tem por objetivo seguir a trajetória de Lélio do Higino, protagonista da narrativa "A estória de Lélio e Lina", de João Guimarães Rosa. Neste percurso, buscamos examinar a evolução da personagem e o caminho que a leva à compreensão do amor. Foco narrativo, tempo, espaço e composição das personagens são, igualmente, objetos de nossa leitura.
O objetivo desse trabalho é analisar a imagem construída da prostituição nas obras Dão-Lalalão (o devente) e A estória de Lélio e Lina, contos da obra Corpo de Baile (1956) de João Guimarães Rosa. Será um trabalho sinuoso, pois se tentará apanhar os significados que estão por debaixo dos fatos banais que são contados pelos narradores, ou até mesmo, por de trás de suas omissões: sob uma camada de cordialidade há uma crueldade gerada pelo preconceito de gênero e de cor. Tentaremos demonstrar como a idealização do mundo da prostituição construída por esses narradores e personagens, nas duas obras, serve de azeite para as engrenagens do mundo da opressão patriarcal, que tem como centro de recreação o prostíbulo.