A partir da leitura de “Os irmãos Dagobé”, de Guimarães Rosa, foi possível identificar uma série de elementos capazes de embasar uma reflexão a respeito do conto enquanto gênero de ficção, considerando os principais autores que discorreram a respeito deste assunto. Com base nestas ideias, a finalidade deste artigo é analisar o conto de Rosa considerando algumas perspectivas teóricas a respeito da ficção curta, iniciando a reflexão a partir das ideias de Edgar Allan Poe, o primeiro autor a sistematizar a reflexão a respeito do conto enquanto forma de ficção, passando por Machado de Assis, Mário de Andrade, Julio Cortázar e o próprio Guimarães Rosa. Assim, será possível perceber que o escritor mineiro constrói “Os irmãos Dagobé” a partir de elementos tanto do conto literário, tais como a unidade de efeito proposta por Poe, quanto das chamadas “formas simples”, tais como as estórias do anedotário popular, aspectos que lhe conferem uma grande originalidade enquanto contista dentro da literatura brasileira.
Reflexão sobre a leveza irônica e a complexidade narrativa com que Guimarães Rosa corrige, em alguns contos de Primeiras estórias e de Tutaméia, leituras preconceituosas que não conseguem ver o outro na sua diferença.
Com base no ideal de cultura de uma coletividade é possível a identificação do sujeito com o local. O local, entendido, aqui, como região e/ou espaço de pertencimento de uma sociedade a uma esfera comum que envolve a integralização de seus membros. A partir dessa premissa, intenta-se investigar nas manifestações literárias de Brasil e Moçambique as marcas culturais que deflagram o local nas regiões dos dois países. Para tanto, o corpus investigativo debruça-se sobre a seguinte questão: Como se dá a representação humana e da terra nas tradições localizadas trazidas pela ficção? Procurando explorar tal objetivo, delimitou-se dois contos da coletânea de contos Primeiras Estórias (1967), de Guimarães Rosa e outros dois da coletânea O fio das missangas (2009), de Mia Couto a fim de estabelecer um elo entre o local brasileiro e o local moçambicano. A pesquisa possui caráter bibliográfico atrelando os referenciais teóricos aos textos ficcionais, com enfoque literário-sociológico e histórico.
Dos principais temas presentes na obra de Guimarães Rosa, o da justiça foi elaborado de maneira muito peculiar e permanece atual ainda hoje. No espaço sertanejo da maioria das histórias escritas por ele, não há a presença do Estado e a justiça é realizada pelas próprias personagens ou pela providência divina. O cerne deste trabalho é verificar a construção de tal tema no conto "Os irmão Dagobé" de Primeiras estórias, livro de narrativas curtas publicado em 1962. Interessa averiguar também se o tratamento dessa matéria coaduna-se com o ambiente sócio-histórico representado na composição. Para tanto, partimos da análise de elementos narrativos, como a história, o narrador, as personagens e o espaço social, com base nos postulados de Genette em O discurso da narrativa para observar como essas categorias constroem o tema em pauta. Finalmente, conclui-se que a ausência do Estado no espaço rural de Minas Gerais, onde acontece a história, leva as personagens a fazer justiça pelas próprias mãos em busca de vingança em legítima defesa e que, nesse percurso, temos uma ação providencial que leva a paz ao espaço representado através da inversão da lei do mais forte. O embasamento teórico do trabalho, além da obra estruturalista já citada, consiste na crítica sobre nosso corpus como, por exemplo, Lugar do mito de Ana Paula Pacheco. Além disso, lançamos mão de teorias filosóficas e jurídicas da justiça, como Filosofia do direito, de Paulo Nader.
O trabalho estuda personagens e ação de quatro contos da coletânea Primeiras estórias de Guimarães Rosa, aproximando-os da adaptação dessas narrativas realizada por Pedro Bial no filme intitulado Outras estórias. O objetivo é comprovar a hipótese de que determinados protagonistas dessas composições, de um lado, constituem retomadas de arquétipos fixados no nosso imaginário cultural e, de outro, refletem as condições sociais do país. O elemento principal entre aqueles que Pedro Bial toma para estabelecer a relação entre os textos que compõem o filme, de modo a formarem uma narrativa unificada, é representado justamente pelas personagens. Entre os protagonistas/arquétipos a serem examinados estão o valentão, o rei sábio, a cinderela.
O termo “masculinidade tóxica” está em voga, contudo, na literatura brasileira, na década de 60 já era possível encontrar personagens que questionavam esse perfil masculino pautado na força bruta, na agressividade e na não demonstração de sentimentos de carinho e afeto. Desse modo, neste trabalho, faremos um percurso analítico acerca de alguns dos personagens criados por João Guimarães Rosa, em Primeiras estórias, mais especificamente nos contos: Famigerado; A benfazeja; Os irmãos Dagobé; Luas-de-mel e Substância, a fim de constatar como esse autor mineiro já traçava um delicado e, ao mesmo tempo, profundo questionamento sobre a figura do homem em sociedade e desse perfil de masculinidade. Assim, percebe-se que vários personagens já nos forneciam indicativos de uma masculinidade plural, como a defendida em nossa época, ou seja, que busca se afastar de modelos estáticos, pré-concebidos e estereotipados. O que, por sua vez, indica que essas narrativas proporcionam reflexões quanto a percepção e evolução da compreensão da masculinidade em nossa sociedade.
Analisam os a narrativa fílmica de Pedro Bial Outras estórias que retoma cinco contos de Primeiras estórias, de Guimarães Rosa. O enfoque da análise são os motivos casamento e velório, que figurativizam os valores universais vida/morte, e o espaço do sertão. A partir desse recorte, propomos uma leitura que pretende demonstrar como o texto de Bial constrói a Cinderela do sertão mineiro.
Depositária de uma cultura peculiar, em que a linguagem transgressiva (mescla de traços arcaicos e modernos) reconstrói e preserva uma parte do Brasil, a rural, a produção de Guimarães Rosa estabelece um a constante tensão entre a permanência e a mudança, a lembrança e o esquecimento. Considerando, entre os suportes teóricos, aspectos psicanalíticos, o intento é revisitar episódios que capturam e transfiguram, literariamente, faces do jaguncismo (vigoroso ou 'decadente') em "A hora e vez de Augusto Matraga" (Sagarana), Grande sertão: veredas e Primeiras estórias, graças a processos mnêmicos cuja presença se insinu tanto no texto, quanto fora dele, ou seja, as anotações que antecedem a obra e sua recepção posterior, tal como atestam as releituras de Antunes Filho (teatro) e de Pedro Bial (cinema).
Este trabalho esboça uma leitura sobre o funcionamento esquemático do projeto ficcional de Guimarães Rosa no conto ‘Os irmãos Dagobé’, que está contido no livro Primeiras Estórias. Enredada na primeira, onde se vislumbra uma possível vitória da modernidade sobre uma lógica considerada arcaica em funcionamento no locus sertanejo, está uma segunda estória, cuja ambiguidade do narrador aponta para vieses complexos, que permitem tecer uma reflexão mais crítica sobre o processo de modernização do Brasil.
As questões espaciais no trabalho de Guimarães Rosa são tão relevantes quanto os outros elementos, como os personagens, o tempo, o enredo etc., pois são fundamentais para o desenvolvimento das situações trágicas, cômicas, dramáticas, fantásticas, românticas e amorosas da sua prosa. O trabalho objetiva discutir, através da análise dos contos “Os irmãos Dagobé” e “Sarapalha”, com o apoio de alguns teóricos e do dicionário de símbolos, o quanto a personalidade, valores, relações e atitudes dos personagens estão interligados ao sertão e a suas particularidades regionais, assim como as mudanças internas estão vinculadas diretamente a transformações externas. Os contos adotados para estudo, um de narrativa curta e outro de narrativa mais extensa possuem formas diferentes de mostrar o quanto o sertão tem uma forma particular de penetrar a alma do indivíduo e determinar o rumo das perspectivas inerentes ao homem, como sobrevivência, abandono, solidão e a linha tênue entre a vida e a morte.
Este artigo examina nos contos “A hora e vez de Augusto Matraga” (1946) e “Os irmãos Dagobé” (1962), de João Guimarães Rosa, as dimensões míticas e ficcionais presentes nas configurações das narrativas e dos personagens. Seguindo as pistas teóricas oriundas de estudos da fortuna crítica da obra rosiana, como Galvão (1978) e Hansen (2007), este estudo tem como hipótese as relações entre os personagens Nhô Augusto e Liojorge com estruturas arquetípicas ligadas às histórias de Jó, Abraão e do guerreiro São Jorge. Tendo por base teórica o texto The sense of an ending de Frank Kermode (2000), pretende‑se, ao mesmo tempo, refletir, além desse aspecto estruturante, em que medida have‑
ria uma autonomia na constituição dessas unidades literárias, ao elucidar o caráter indeterminado e aberto ligado a tais práticas de escrita literária.
Tem este texto a intenção de discutir em que medida ocorre a representação dos monstros e das monstruosidades como construção discursiva no filme A Terceira Margem do Rio (1994), de Nelson Pereira dos Santos, que reúne, num só corpo, seis das Primeiras Estórias, de Guimarães Rosa, Sequência, Fatalidade, A menina de lá , As margens da alegria e Os Irmãos Dagobé.
Este texto apresenta uma discussão sobre as traduções intersemióticas (Júlio Plaza, 2001) entre literatura e cinema, visando localizar elementos que unem e separam texto literário e texto fílmico. São abordadas as traduções fílmicas de contos de Guimarães Rosa, a partir do livro Primeiras estórias, com 21 contos, publicado em 1962. Este serve como texto-fonte para dois filmes: A terceira margem do rio (1994), de Nelson Pereira dos Santos, e Outras estórias (1999), realizado por Pedro Bial, que transcria quatro estórias autônomas, como se o filme fosse uma seqüência de quatro curta-metragens distintos. Na passagem dos signos icônicos, indiciais e simbólicos, nas tradições semióticas, os sintagmas fílmicos podem entrar em combinatórias diferenciadas e múltiplas, testemunhando a liberdade que cada criador pode dar a seu texto de partida. A conseqüência desse procedimento é mostrar que cada filme transcria, a sua maneira, a narrativa literária, ampliando ou reconfigurando certas cenografias que, às vezes, tinham pouca visibilidade no texto-fonte.
As obras de Clarice Lispector e Guimarães Rosa, dentre outros temas, problematizam de maneira muito intensa a constante busca do ser humano pela sua essência em contraponto com o massacrante cotidiano da vida. Dentre muitas possíveis, há duas questões pertinentes que emergem das trajetórias dos personagens claricianos e rosianos: O que há de universal em cada indivíduo? Como podemos obter a individualidade numa sociedade massificada? Em suma, tentamos apreender como cada autor persegue a essência e a constituição do sujeito através da experiência de vida construída na teia ficcional. Com isso, nos permitem identificar a violência praticada contra o indivíduo pela coletividade na qual está inserido. A sociedade pode ser opressora em todos os seus âmbitos, inclusive no familiar; e é isso o que se observará na análise de “Os laços de família” e “Os irmãos Dagobé”, nos quais também, amparados em aparato crítico, buscamos identificar as soluções encontradas pelos personagens claricianos e rosianos para constituírem-se como sujeitos de sua existência.
Em Primeiras estórias, "Os Irmãos Dagobé" e "Fatalidade" podem ser lidas superficialmente como paródias de bangue-bangue em que os atores não correspondem aos estereótipos do gênero. No entan- to, as marcas da identidade cultural do sertão bravo, tipo faroeste ame- ricano, constituem, sobretudo, o cenário útil para nele enquadrar a di- nâmica espiritual que Rosa frisava como característica da coletânea. Em ambas as estórias, o narrador oculta essa dinâmica: posicionando- se como porta-voz de uma gente ?fatalista?, resignada a sofrer os des- mandos dos valentões em ?Os Irmãos Dagobé?; adoptando, em ?Fatalidade?, a tônica humorística de uma testemunha que se distancia em relação aos acontecimentos relatados, fazendo de conta que não enten- de em que consiste o ?fatalismo? do delegado protagonista. O discurso desses dois narradores, ao mesmo tempo, solicita a perspicácia do leitor ? através da onomástica, das falas dos personagens, dos enigmas lingüísticos colocados na narração ? apontando para um conteúdo oculto a ser revelado. Assim, partindo de causos que questionam a justiça e as leis humanas, ?Os Irmãos Dagobé? e ?Fatalidade?, funcionam como parábolas que convidam a refletir, em particular, sobre a problemática do livre arbítrio e da graça divina, na exploração da terceira margem do Ser Tão, ali onde o cristianismo encontra as fontes greco-orientais da Philosophia Perennis.
Este ensaio tem como objetivo analisar as formas como Guimarães Rosa representas as relações sociais em Primeiras Estórias, através do uso de técnicas orais de composição narrativa. Utilizando narradores que experimentam aquilo que narram, na perspectiva de Walter Benjamim, ele descreve o inesperado que ocorre no cotidiano, da realidade sertaneja. As análises se deterá nas mudanças apresentadas em três em relações tradicionais do sertão: a mobilidade social, a violência como modo der resolver os problemas e a exploração da força de trabalho. Ao optar por representar essas mudanças, Guimarães Rosa discute, mesmo sem o propósito intencional, a história contemporânea.