Este artigo objetiva discutir o percurso do modo como o sertanejo é apresentado em obras literárias brasileiras a partir do Romantismo, primeiro estilo em que aparece como personagem, até a intensa liberdade das Tendências Contemporâneas. Fundamentado em discussões sobre sertanismo e regionalismo com Albuquerque Júnior (2011), Almeida (1999), Castro (1984) e Freyre (1976), este trabalho se direciona para um olhar de como o sertão/sertanejo se insere numa “caminho” trilhado dentro da produção literária no trajeto das épocas mencionadas. Deste modo, com o estudo empreendido, entende-se que o sertanejo mítico e depois realista dos oitocentos, modifica-se no forte lutador diante da seca e das injustiças sociais no século XX, utilizando-se da sua força, resistência e bom-humor que lhe são característicos, encarando as árduas sagas com seus únicos recursos, os impalpáveis.
A idéia de agon e de diálogo entre obras da literatura brasileira deve orientar a interpretação de nossa historiografia no que se refere à produção de escritores como Alencar, Guimarães Rosa e Machado de Assis. A mudança de perspectiva no que se refere à aceitação de um sistema literário forjado pela semelhança entre autores demonstra que a predileção autoral e crítica por romances regionalistas, freqüentes na história da literatura brasileira, só pode ser efetuada por meio de uma perspectiva pós-moderna. A compreensão da história da literatura brasileira passa pelo deciframento de um sistema forjado pela dessemelhança.
Neste artigo, discutem-se aspectos relacionados ao caráter nacionalista da Literatura Brasileira durante o Romantismo e os seus desdobramentos em forma de manifestações literárias regionais. Com base em depoimentos de escritores como Gonçalves de Magalhães, Gonçalves Dias, José de Alencar, Bernardo Taveira Júnior, Guimarães Rosa e Simões Lopes Neto, procura-se mapear algumas causas para a regionalização da literatura e a transformação da região em uma espécie de pátria dentro da nação. O aporte teórico oriundo da Geografia Cultural contribui para fundamentar a discussão.
Este ensaio analisa a presença e a persistência de certa tradição regionalista nas
letras brasileiras, traçando ligações metodológicas do aporte teórico oriundo das
investigações sobre imaginário e memória coletiva com aquele consolidado por parte
da crítica literária nacional. Busca-se evidenciar de que maneira as aproximações à
obra de arte e os julgamentos de valor produzidos veicularam imagens aceitas e
apreendidas na memória coletiva, as quais se tornaram, não raras vezes, índices
determinantes de leitura, solapando a legitimação do regionalismo
Instituto de Letras, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Programa de Pós-Graduação em Literatura
Este trabalho consiste em um estudo acerca da dialética entre literatura e sociedade no romance regional brasileiro. Diacronicamente, são analisados os romances O sertanejo, de José de Alencar, S. Bernardo, de Graciliano Ramos, e Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. O objetivo da tese é demonstrar de que modo, ao longo do tempo, os antagonismos sociais próprios do Brasil rural foram transfigurados esteticamente pelos romances cuja matéria se formou na experiência rural brasileira. As pesquisas apontaram que, no cerne desses romances, encontra-se formalizado o conflito entre proprietários e despossuídos, em torno do qual gravitam temas a ele relacionados, como amor, violência, trabalho, liberdade e favor. O embasamento teórico advém da tradição crítica materialista dialética, especialmente Antonio Candido, Roberto Schwarz e Raymond Williams.
Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro
Este trabalho procura refletir sobre as representações das paisagens rurais nos textos narrativos estrangeiros e nacionais para pensar as mudanças sociais engendradas na transição ruralidade/modernidade. Nesse sentido, tratou-se de as objetivar e interpretar como fatos sociais que são, levando-se em conta os diferentes processos simbólicos de que resultaram os textos literários em questão. Pensando primeiro na noção durkheimiana de construção social de significados e símbolos, na auto representação relacional da sociedade com seu meio, objetivamos e interpretamos os fatos sociais de acordo com as diferentes abordagens das Ciências Humanas para pensar os processos socioculturais e históricos dessa relação. Dessa forma, o conceito cosgroviano de paisagem, como ideia, é fundamental, pois permite estudar a trama das relações humanas, inscrita num meio natural e cultural. Por fim, refletimos sobre o processo de criação literária de representação dos fenômenos sociais.
A tese é um estudo de um percurso de sentido - a poética do boi - de Alencar a Rosa, passando pelos pré-modernistas Simões Lopes Neto e Valdomiro Silveira. Em Alencar, o boi é sagrado, apolíneo. Nos autores pré-modernistas, oscila entre o sagrado e o profano, o apolíneo e o dionisíaco. Por último, em Rosa, é humano. O estudo de um mesmo tema em três recortes simbólicos traz considerações sobre uma poética intertextual, o metadiscurso, inserido no próprio bojo das narrativas, e mitopoesia, pois a imagem animal é o principal objeto de leitura. Alencar retoma a poética da tradição greco-latina e bíblica, os pré-modernistas a paisagem idílica e o imaginário popular, e Rosa o pensamento selvagem. Alencar e Rosa ainda referenciam o sertão, uma prática social e um intertexto, transformado em paisagem literária. A análise das narrativas não se prende a um modelo teórico, mas enfatiza os procedimentos construtivos ou temáticos que se mostraram mais significativos para a construção do sentido em determinado texto.
A proposta principal deste trabalho é analisar a representação de animais e animalidade na literatura da brasileira sob a perspectiva dos Estudos Animais - área de pesquisa voltada para a compreensão de animalidade e animais enquanto seres vivos e imaginados. A análise se apresenta como um estudo temático e é organizada a partir da subdivisão do grande tema dos animais em oito ramificações temáticas: animais colonizados, animais idealizados, animais nacionais, animais domésticos, animais metafísicos, humanos animalizados, animais sujeitos e animais agentes. Estes subtemas exemplificam padrões culturais percebidos em obras literárias que datam desde o período colonial até a década de 1980, aproximadamente. O corpus selecionado para a presente análise se constitui de autores como Machado de Assis, Clarice Lispector, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, João Alphonsus, Lúcio Cardoso, Rachel de Queiroz, José de Alencar, entre outros, totalizando cerca de cinquenta e cinco textos literários e documentais. Neste trabalho, utiliza-se uma metodologia histórico-comparativa que visa, também, propor uma reorganização da história da literatura brasileira sob um viés temático. Não existe aqui a ambição de realizar um trabalho de historiografia extensiva, mas sim aquela voltada para a organização de um corpus que apresenta assuntos afins. Os textos literários em questão são arranjados e analisados de acordo com o tema no qual estão inseridos, não seguindo, portanto, uma ordenação cronológica. Em cada uma das ramificações temáticas estabelece-se relações interpretativas que colocam textos pertencentes a diferentes movimentos literários e períodos históricos lado a lado, a fim de demonstrar o diálogo existente entre o conteúdo de textos literários e documentais diversos.
Este trabalho estabelece um estudo comparativo entre o romance Til (1872), de José de Alencar, e a narrativa “Meu tio o iauaretê” (1969), de João Guimarães Rosa, examinando duas questões: 1) a articulação dos aspectos regionais a que os dois escritores procedem a fim de abordar problemas dos meios focalizados, 2) os conflitos entre ordens culturais distintas que se desenvolvem nos espaços das duas narrativas. Para tanto, selecionamos dois personagens de cada obra: Jão Fera, de Til, e Tonho Tigreiro, de “Meu Tio o iauaretê”, ambos assassinos e marginalizados. Objetiva-se: identificar semelhanças e disparidades entre o regionalismo dos textos selecionados tomando por base os personagens escolhidos; refletir sobre as questões que são articuladas a partir da inserção dos personagens nas ambiências rurais e suas tentativas de sobrevivência ao espaço por meio de homicídios. A partir do cotejo entre esses personagens, observa-se que a alusão aos elementos regionais é fundamental para a fatura das narrativas, bem como para suas sínteses estéticas e ideológicas. Há um diálogo entre homem e região, de modo que a região engendra nos personagens problemáticas históricas e sociais, não sendo as referências a aspectos locais um ponto negativo, castradores da amplitude dos textos. Conclui-se, a partir da comparação, que o regionalismo presente nos discursos literários de José de Alencar e Guimarães Rosa é basilar para a constituição das visões de mundo vigentes no romance e no conto, tornando-se um fator produtivo e positivo à medida que reconstitui e debate certos processos de exclusão constantes em nossa sociedade. Além disso, pode-se redimensionar e, sobretudo, questionar o conceito de regionalismo, compreendido por renomados críticos literários brasileiros do século XIX e parte do século XX como um defeito capaz de diminuir o valor de algumas obras e torná-las medíocres. O regionalismo não é um defeito, mas uma forma de estilizar e problematizar o Brasil, uma vez que os aspectos regionais, orquestrados por narradores agudamente conscientes de seu tempo, mais que simples referências ou alusões, integram a dinâmica interna das narrativas, engendrando interpretações de processos sociais latino-americanos os mais diversos.