A novela “O recado do morro” de Guimarães Rosa, pertencente ao ciclo de O corpo de baile, é “a estória de uma canção a formar-se”, como declara o próprio autor. Essa “canção” desdobra-se em dois planos, dois textos paralelos: a narrativa do “recado” e o próprio “recado”, ambas realizando-se por meio da tradução (mediação, transmissão, decifração). De um lado, trata-se da salvação de Pedro Orósio da trama armada por sete rivais, com a finalidade de matá-lo, porque consegue agir no momento exato graças à decifração ou tradução de uma mensagem; de outro, da constituição da identidade do protagonista, cujo trajeto percorrido espacialmente corresponde a um percurso de aperfeiçoamento interior: ao ser capaz de traduzir a mensagem, ele passa da condição de ignorante à de senhor do próprio destino. Neste artigo esse processo de formação é tratado como uma tradução, ou seja, como um processo de construção da interpretação adequada de um texto.
O artigo pretende evidenciar o protagonismo que as elaborações poético-ficcionais desempenham nas novelas “O recado do morro” e “Uma estória de amor”, de Corpo de baile. Descrevemos as ambivalências e os impasses próprios das consciências dos personagens protagonistas, Pedro Orósio e Manuelzão, e, em seguida, o confronto entre a angústia decorrente dos impasses e as irrupções e percursos das estórias, canções e poemas, bem como de seus lugares de origem e seus destinatários, como forma de compreender a incidência incontornável dessas elaborações poético-ficcionais sobre os desfechos das novelas.
Este trabalho propõe uma leitura da obra de Guimarães Rosa de Corpo de Baile (1956) até Estas Estórias (1969), construída sobre a articulação entre duas dimensões, o livro e a narração. Interroga-se o modo como estes textos colocam em relação, na tensão entre escrita e oralidade que está na sua base, a representação do acto narrativo e a reflexão sobre a construção do livro em função de um questionamento da forma e da legibilidade. Descreve-se a resposta que a organização dos livros de Rosa oferece a problemas de representação e referência, através de uma atenção ao paratexto e à edição, e discute-se a releitura e a parábase como figuras da problematização da leitura.
O objetivo geral do estudo do conto “O Recado do Morro”, do escritor João Guimarães Rosa (1908-1963), integrado à antologia Corpo de Baile (1956), é elucidar o trabalho de hibridação da forma, estrutura e linguagem do conto com os dados das Cadernetas de Campo do viajante autor e a narrativa relatada em processo de criação. A compreensão do trabalho concebido por nós como transcriação ficcional interessou-nos no tocante à maneira como a realidade empírica é traduzida pelas cadernetas (Boiada 1 e Boiada 2) e transformada pelas artimanhas ficcionais do narrador-viajante, leitor, testemunha e criador simultâneos. O emergir da história, sob o olhar do autor diplomata, apontou-nos a diferença refletida, em lato e stricto sensu – o movimento do tempo e espaço da viagem pela via da memória em fluxo fabular de imagens e da cartografia da rica natureza do sertão mineiro. Cenários e campos de experimentação da linguagem poética em relato de histórias em sincronia. Neste desdobramento de meta-narrativas, a dialogia é o método que concretiza o paralelismo conto e cadernetas de campo – entre o passado da recolha (Viagem de 1952) e o presente do relato (em permanente atualização). O grande efeito final é marcado pela viagem da invenção (sete histórias e sete recadeiros), por meio do Outro, humano e geográfico, alteridades que têm a função de representar e refratar as intenções do autor em função de um recado Universal: “O Recado do Morro”, o Morro da Garça na região de Cordisburgo, em transcriação poética para “O Recado da Terra”. Na dinâmica das viagens, a narrativa polifônica encontra seu duplo centro, a singularidade poética e a identidade lingüística rosiana que, uma vez degeneradas pelo fluxo da memória, apontam para a utopia do presente inacabado na obra, em coexistência virtual e atual. Estes são os princípios básicos levantados pela leitura de descoberta e invenção, travessia, contemplação e interatividade, nesta dissertação.
"Tudo significa, as coisas" é um estudo em texto e imagem a partir do conto O recado do morro, uma das narrativas que compõem a obra Corpo de Baile, de Guimarães Rosa, 1956. O trabalho visa criar um campo de investigação a partir de um conjunto de objetos produzidos no âmbito da própria pesquisa ou preexistentes a ela. Além do próprio conto, esses objetos são: o documentário de média metragem seres, coisas, lugares, inspirado em O recado do morro e filmado em Morro da Garça, Minas Gerais, lugar que serve de cenário à estória de Rosa; o experimento de escrita Tudo significa, as coisas, construído, predominantemente, com as falas extraídas do material bruto do filme; e as cadernetas de viagem de Guimarães Rosa, publicadas com o título A Boiada. Integram ainda o presente estudo, um "caderno de reflexões críticas", um "caderno de notas relacionais" e um "caderno de trabalho". O objetivo da pesquisa é, através desses objetos, identificar, produzir e refletir sobre as relações - trânsitos, ressonâncias, articulações, dobras - entre: fala e escrita; literário e não-literário; documental e ficcional; cinema e literatura, Eu e Outro.
Faculdade de Letras, Departamento de Ciência da Literatura
A literatura de Guimarães Rosa é um espaço de entrecruzamento, onde muitas vozes desestabilizam as pretensões de uma unificadora e autoritária. Por esta dinâmica, suas estratégias para a ficcionalização da oralidade configuram inusitada resposta discursiva ao desafio de representar nossa heterogeneidade cultural, pois seus textos amalgamam diversas formas lingüísticas e fazem colidir diferentes pontos de vista. Portanto, o recurso à heteroglossia, este locus de falas em oposição, constitui o eixo do engendramento da narrativa rosiana, refratando o fluxo de variados discursos ou consciências. Ou seja, ao incorporar uma gama de registros, acentos e tons, as novelas sobre as quais nos detemos - "O recado do morro" e "Cara-de-Bronze" - enunciam a co-presença de inúmeras alteridades, produzindo uma polifonia, e contrapondo-se ao despótico do monologismo. Ademais, ao questionar parâmetros teórico-críticos e ao enfocar contextualizadamente o manejo da oralidade na escritura de Rosa, nossa pesquisa fundamenta-se na provocante multiplicidade investigativa oriunda das vertentes críticas abertas pelos Estudos Culturais e Pós-Coloniais, tanto quanto pelo comparatismo de cunho multicultural. Desta maneira, primeiramente, estudamos, na recepção crítica da obra rosiana, os vetores analíticos atinentes à ficcionalização do discurso oral, aferindo os critérios que consideraram o texto representativo da "autêntica" brasilidade. Neste processo, questionamos o cânone literário e crítico, e a forma como os estudiosos compreenderam as estratégias, empreendidas por Guimarães Rosa, para textualizar uma cultura multifacetada. No segundo capítulo, propomos uma leitura de "O recado do morro", abordando a narrativa no plano de uma literatura empenhada em ressignificar o universo da oralidade. Pois, ao revitalizar a palavra escrita, oralizando-a, esta novela rejeita todo e qualquer projeto estético orientado para inscrever apenas "litera...
Instituto de Estudos da Linguagem. Programa de Pós-Graduação em Teoria e História Literária
Esta tese de doutorado investiga a vocalidade na obra de Guimarães Rosa. O conceito de vocalidade, definido a partir dos trabalhos de Paul Zumthor, considera a voz não apenas como suporte ou veículo sonoro da palavra, mas também como manifestação de sentido que reverbera aquém e além da palavra. No texto literário de Guimarães Rosa, a dimensão da vocalidade é trabalhada no próprio corpo sensório da palavra poética, que produz feixes de sentido que escapam às determinações da linguagem e, dessa maneira, conseguem aludir ao que seria indizível no sertão rosiano. Além disso, as mais variadas e estranhas vozes escutadas nesse sertão ocupam um lugar central no desenvolvimento de algumas narrativas, como "Meu tio o Iauaretê", "Buriti" e "O recado do morro", que são detidamente analisadas. Em "Meu tio o Iauaretê", a vocalidade alia-se à questão da animalidade no decorrer da metamorfose do narrador em onça, cuja fala é continuamente atravessada por ruídos aquém do humano, quando a linguagem corre o risco de ser devorada pela irrupção de uma voz animal. Em "Buriti", a voragem sonora das noites do sertão é apreendida pela escuta hipersensível da personagem Chefe Zequiel, capaz de alcançar um núcleo insondável da noite, uma "voz de criatura" que mal resvala o sentido, mas que será revertida no erotismo pujante dessa novela. Em "O recado do morro", um recado enviado pelo Morro da Garça vai se formulando de modo fragmentado e confuso, à medida que é passado e alterado por sete mensageiros. Essa transmissão depende do entusiasmo (enthousiasmós, em grego = com um deus dentro de si) que se manifesta na voz das personagens para além das palavras do recado, até ele se organizar e se revelar na forma de um poema cantado. Por fim, essas questões são retomadas e expandidas com o objetivo de mostrar como a vocalidade ganha extensão em outras narrativas de Guimarães Rosa e elabora a seu modo importantes eixos temáticos dessa obra ficcional.
“O recado do morro” foi publicado no segundo volume de Corpo de Baile, pela José Olympio, em 1956. Desde então, tem sido estudado, no conjunto novelesco de que faz parte, pela crítica brasileira sob diversos enfoques: cultural, filosófico, crítico-genético, etc. Nesta comunicação analisaremos alguns estudos dedicados, especificamente, a essa obra de Guimarães Rosa, por exemplo, o trabalho de Marli Fantini (2003) insere-o em um amplo debate sobre a tematização de diversidade cultural; Heloísa Araújo (1992) examina as diversas referências religiosas e filosóficas, Hélio Miranda (1999), ao examinar as relações entre a terra e o homem, ressalta a importância do texto para a compreensão do universo ficcional rosiano. Tais estudos salientam a importância da obra e, ao mesmo tempo, abrem novas possibilidades de leitura, ainda por fazer, como uma análise hermenêutica de sua história recepcional. Postula-se, neste texto, que a estética da recepção se define filosoficamente pela transitividade d
Esta comunicação pretende examinar o conto “Recado do Morro” de Guimarães Rosa (1908-1967) à luz dos estudos culturais bem como referenciando-se na filosofia de Vilém Flusser (1920-1991), em suas ricas contribuições a esse campo de análise. É sabido que tal filósofo conheceu pessoalmente Guimarães Rosa e, embora grande parte da obra de Rosa seja anterior, o pensamento flusseriano pode a ter influenciado. Flusser defendeu que “o estrangeiro, categorizado como tal, se opõe diretamente à repulsa daqueles que se encontram acomodados, à repulsa dos monoglotas e dos experts que desenham fronteiras entre os territórios do conhecimento e da memória” (Cf. Finger, 2008). Para ele, “não há fronteira, não há dois fenômenos no mundo que possam ser divididos por uma fronteira, que seria sempre uma separação artificial.” (Cf. Finger, 2008). A partir disso, cabe aqui analisar a personagem Alquiste ou Olquiste, do conto “O Recado do Morro”, de Guimarães Rosa, considerando a problematização do estrangei
Sustentado pelo método hermenêutico triádico da estética da recepção, sobretudo baseado nos textos “A história da literatura como provocação à teoria literária” (1994), proposto por Hans Robert Jauss (1921-1997) vinculado à temática da Literatura Brasileira deste encontro, esta comunicação tem por objetivo analisar a temática da representação do estrangeiro em “O recado do morro” (1956), de João Guimarães Rosa (1908-1967), pertencente à coletânea Corpo de baile, especificamente da na figura de seo Alquiste ou seo Olquiste, um pesquisador e naturalista, que realiza uma excursão em torno do Morro da Garça (MG), juntamente com outras pessoas (o guia Pedro Orósio, Frei Sinfrão, o fazendeiro Seo Jujuca do Açude e Ivo Crônico), com intuito de explorar o sertão. Viagem esta guiada por Pedro Orósio, moço, com estatura alta, que viajava com os pés descalços, de passadas muito extensas e ligeiras, tão forçoso, de corpo nunca se cansava, namorador, e conhecedor da região, um exemplo nato da perso
O artigo reflete mais diretamente sobre duas das sete narrativas de Corpo de Baile, de João Guimarães Rosa (1956). Com o desdobramento em 3 outros livros que se dá na 3ª edição (1964/65), “O recado do morro” e “Cara-de-Bronze” passam a integrar o “Livro 2” da obra: “No Urubuquàquà, No Pinhém”, também formado pela novela “A Estória de Lélio e Lina”. A proposta coloca em diálogo as mudanças editoriais do livro no tempo, atestadas nas correspondências do escritor, com os enredos e temas das duas narrativas, apontando e analisando um movimento de escrita que ao mesmo tempo é artística e histórica. Nessa perspectiva, concebe-se o sentido histórico delineado em uma composição literária elaborada no uso de outras linguagens artísticas. Assim, menciona-se no artigo a linguagem cinematográfica, elaborando historicidade na narrativa, e corporeidade sonora das imagens, onde se situam as marcas musicais. Pela trama literária, estará marcada o que apontamos como temporalidades múltiplas, que escrev
Na novela “O recado do morro”, temos a contraposição de duas ordens da realidade (plano real e plano mítico) que, dialeticamente, se desdobram em um espaço, ou seja, este se caracteriza como um ambiente que faz parte do espaço físico (real), mas também apresenta “referências míticas”. Diante dessa dupla feição do espaço pretendemos desenvolver um breve estudo sobre a composição do espaço em “O recado do morro”, novela de Corpo de baile (1956), no intento de esclarecer como Guimarães Rosa se vale de elementos advindos de diferentes campos do conhecimento, neste caso o científico e o poético, na constituição de uma narrativa em que há correlação desses diferentes campos do saber no que diz respeito ao espaço percorrido pela expedição guiada por Pedro Orósio. Este trabalho será realizado por meio de uma interpretação que pretende analisar como se evidenciam os mecanismos utilizados por Guimarães Rosa para compor um espaço com a presença do real e do mítico, ao comparar trechos da narrativa em foco aos relatos de viagem de Spix (1781-1826) e Martius (1794-1868) e aos trabalhos paleontológicos (Ciência que estuda a vida passada da Terra) e espeleológicos (estudo de cavernas e grutas) desenvolvidos por Peter Lund (1801-1880) no sertão mineiro. As referências a esses trabalhos transparecem na narrativa por meio da utilização de nomenclaturas e descrições científicas registradas pelos naturalistas em termos como o megatério, o tigre-de-dente-de-sabre, a protopantera e os homenzarros. Para desenvolver esta tarefa, utilizamo-nos como aporte teórico dos estudos estético-recepcionais de Hans Robert Jauß (1921-1997), sobretudo em A História da Literatura como provocação à Teoria Literária, das teorizações de Mircea Eliade (1907-1986) acerca do mito e, no que tange às possibilidades de um estudo comparativo nos utilizaremos de textos de autores como Henry Remak (1994) e René Wellek (1994).
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