Este livro consiste na apresentação de todo um embasamento teórico so-bre a história e a conceituação da fraternidade no mundo ocidental, em duas vertentes: o legado do cristianismo e as concepções políticas do Iluminismo e da Revolução Francesa. Abrange ainda a análise do conto 'A hora e vez de Augusto Matraga', de Guimarães Rosa, e do romance Quarup, de Antônio Callado. Em relação ao conto rosiano, uma parte da análise dos pretos velhos que protagonizam a ação fraterna já se encontra no ensaio 'A fraternidade como exceção', no livro Da ignomínia à pertença, publicado pela Editora Cajuína em 2021. Trata-se do enfoque de personagens secundários, porém muito importantes no destino do protagonista. O romance calladiano também demonstra ação decisiva de personagens marginais que salvam o herói da violência sofrida por um agente da ditadura militar. Nas duas narrativas, a ação da fraternidade é a negativa da representação de uma violência secular enraizada na vida brasileira. Assim, além da análise literária, o livro mostra o quanto as reflexões sobre a fraternidade, em avanço extraordinário nos últimos anos em vários campos do conhecimento, praticamente em nada têm tocado a teoria da literatura e a crítica. ISBN: 9786586270662 | Editora: Cajuína | Autor: Arturo Gouveia
Fidelidade e infidelidade são comportamentos humanos corporificados por duas figuras míticas da Antiguidade: Helena e Penélope, personagens dos épicos Ilíada e Odisseia, atribuídos a Homero. Da literatura clássica migraram para a ficção contemporânea. Em Sagarana, de Guimarães Rosa, o tema da infidelidade, e seu avesso, a fidelidade, pode ser descrito a partir de suas aproximações às míticas Helena e Penélope.
Este artigo apresenta o conto “Conversa de Bois” de João Guimaraes Rosa em uma perspectiva fabular. O conceito de fábula abarca um grande espectro de significações, que vai desde: resumo, intriga, conjunto, construção, até o conceito mais formalista, que lhe dá um sentido mais material. No entanto, imprimiu-se no gênero como característica principal, o cumprimento de uma ação e o uso do antropomorfismo (quando animais assumem características humanas). Na verdade, essa característica é que define o gênero fábula, pois as personagens principais são animais. O termo fábula vem do latim, fari, que significa falar ou do grego, phao,significando contar algo. A narrativa tem uma natureza simbólica e/ou alegórica, retratando uma situação vivida por animais, remetendo-se à situação humana, com o objetivo de transmitir certa moralidade. Lembrando a estrutura proppiana entende-se que ao explorar a fábula, o autor mineiro recusa o estado efêmero do fazer literário, entendendo-o como constante e cíclico, um eterno exercício de reconhecimento. Não há como encerrar algo essencialmente inclinado a se perpetuar. A obra literária se emancipa de seu tempo, contexto e espaço, seguindo como expressão autônoma que é. A conversa é de bois e os ouvintes são os humanos. A literatura e o sertão são do mundo.
A partir da imagem da travessia de um carro de bois, imagem aparentemente simples, mas que perscruta os mistérios e desejos de outros mundos, o presente artigo realiza uma análise do conto Conversa de Bois de João Guimarães Rosa, explicitando a representação poética da separação entre a natureza e o homem subjacente ao episódio da travessia.
O artigo recupera o contexto da publicação do Sagarana (1946), de João Guimarães Rosa, privilegiando determinados aspectos que sobressaem na leitura dos documentos críticos publicados na imprensa do período. Parte-se da coleção de recortes organizada pelo próprio escritor, pertencente ao Fundo João Guimarães Rosa do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da Universidade de São Paulo, com o intuito de observar sua inserção no cânone local. Entre os problemas destacados – de gênero literário, estilísticos, originalidade e repetição −, atenta-se para a polêmica despertada por artigo inaugurador de Álvaro Lins, acusado de promover a exaltação do livro estreante e seu autor, funcionário do Itamaraty, a fim de ser recompensado com cargo público. Procuramos, assim, investigar que espécies de determinações estão em jogo na construção do valor de um nome literário, ainda que a excelência do título de Guimarães Rosa superasse as provocações.
Ao autor João Guimarães Rosa (1908-1967) atribui-se qualificativo de “pensador do Brasil”, assim como outras fórmulas correlatas: por exemplo, “retratista”, “intérprete” do país. A referência o ajusta ao lado dos clássicos ensaístas nacionais da primeira metade do século XX. Esta abordagem de “Traços biográficos de Lalino Salãthiel ou A volta do marido pródigo”, da obra Sagarana (1946), acompanha tal perspectiva. A narrativa dramatiza um dilema brasileiro, representando, de forma cômico-satírica, certas condições e aspectos da organização, formação de nossa sociedade, no âmbito sociopolítico. Na urdidura literária articulam-se imbricadas temática e forma estrutural do enredo na produção de sentidos. O recorte deste estudo centra seu argumento na elaboração literária da narrativa e no conceito de “cordialidade”, de Sérgio Buarque de Holanda. A propósito da atualidade e força do debate acerca do tema, ainda na ordem do dia, o sociólogo Francisco de Oliveira publicou artigo intitulado “Jeitinho e jeitão – uma tentativa de interpretação do caráter brasileiro” (2012), tendo como tese a defesa de que atributos das classes dominantes brasileiras são transmitidos às classes dominadas, o que constitui o caráter nacional. Circunscritos ao âmbito dessas questões convergem os apontamentos propostos sobre o texto rosiano.
Este estudo demonstra os efeitos estéticos produzidos na estrutura da narrativa a partir da escolha da temática da conversão do pecador em santo no conto “A hora e vez de Augusto Matraga”, parte do livro Sagarana de Guimarães Rosa. Além disso, também analisa os efeitos de sentido advindos do fato de o narrador declarar, em seu início, que o conto se trata de uma “estória inventada” e embasar sua construção na ideia da tríade. O referencial teórico é composto de estudos estruturalistas, em especial, de Genette, e artigos críticos sobre a obra de Guimarães Rosa.
Estudo do conto "A hora e a vez de Augusto Matraga", considerando estrutura narrativa e personagem, reconhecíveis como embrião da totalidade da obra do autor. Identifica três etapas definitivas na ação do protagonista: busca de auto-afirmação; ressurreição e reencontro com a natureza e consigo mesmo; paz e plenitude compensatórias, que levam ao reconhecimento do espírito religioso ou misticismo bronco como uma das vertentes mais ricas em Guimarães Rosa.
No ano em que se comemora o cinquentenário de morte do escritor Guimarães Rosa, o presente artigo objetiva discutir de que modo a questão do sagrado se faz presente na coletânea de contos que compõe a obra Sagarana, do escritor mineiro. A proposta de leitura que aqui se apresenta será feita tendo por princípio a noção de sagrado que é defendida pelo poeta e teórico mexicano, Octavio Paz, que vê o sagrado e a poesia como exemplos de revelação poética. O livro Sagarana, primeira publicação literária de Guimarães Rosa, é composto por nove contos, no entanto, neste artigo se pretende dialogar com apenas três narrativas, por acreditar que uma leitura de todos os contos exige um trabalho de maior extensão e fôlego que requer algo além dos limites de um artigo. As narrativas objetos de interlocução aqui, portanto, são: A hora e vez de Augusto Matraga, São Marcos e Corpo fechado.
Este trabalho estuda os textos críticos de Graciliano Ramos sobre a versão original de Sagarana, de Guimarães Rosa, que concorreu ao prêmio do concurso “Humberto de Campos”, em 1938, e objetiva mapear e descrever os principais apontamentos da leitura realizada pelo crítico antes e depois da publicação de Sagarana, em 1946. Ao destacar a vivacidade do diálogo, a exatidão da descrição, a segurança da narrativa e a exemplaridade na construção de figuras humanas e na representação do mundo animal, a leitura de Graciliano dialoga com os trabalhos posteriores de crítica de Candido (2002), Milliet (1981) e Lins (1963) sobre o livro de Guimarães Rosa, principalmente, por já indicar aspectos de análise que seriam desenvolvidos de modo recorrente pela crítica.
Estudo do narrador autodiegético do conto "Minha Gente", de Guimarães Rosa que faz parte do volume intitulado Sagarana. O narrador, que não é identificado, assume perspectiva exterior ao que o cerca, descrevendo as paisagens e os acontecimentos com algum distanciamento e admiração. Daí resulta o descompasso entre a sua percepção e a de José, vaqueiro que o acompanha da estação à casa do tio.
Em relatos pessoais de João Guimarães Rosa, a autora colhe dados sobre episódios da infância e aspectos da paisagem da terra natal do escritor. Correlaciona-os com a criação ficcional, notadamente em Sagarana, segundo conceitos relativos ao fato de que as lembranças também se inventam, pois a fantasia se associa às recordações de infância na memória do adulto.
A partir de documentos pertencentes aos Fundos João Guimarães Rosa (IEB-USP), informamos a construção do título do primeiro livro de Rosa. Considerando sua fortuna, verificamos que o neologismo sagarana assume significações e usos diversos, tendo sido usado até mesmo para destacar uma série literária, quando passa a recomendar textos reunidos pelo critério de excelência: Coleção Sagarana.
Em “Conversa de bois”, oitavo conto de Sagarana, de Guimarães Rosa, percebe-se a ocorrência do fenômeno do duplo: uma instabilidade do Eu que acarreta no surgimento de uma representação corpórea com as características inversas de um personagem. O Outro de Tiãozinho surge, gradativamente, ao longo da narrativa, na figura dos bois que puxam a carroça de Agenor Soronho. O objetivo deste artigo é investigar como ocorre esse processo e analisar as etapas que culminam no duplo. O amparo bibliográfico buscado é oriundo dos Estudos Literários, com autores como Antonio Candido (1989), Jean Chevalier e Alain Gheerbrant (2017), Walnice Nogueira Galvão (2008), Ana Maria Lisboa de Mello (2000), Mônica Meyer (2008), Otto Rank (2013), David Roas (2014), Clément Rosset (1976) e Irene Gilberto Simões (1998).
Este trabalho se propõe a estabelecer um estudo sobre o conto A hora e a vez de Augusto Matraga, buscando discutir como Guimarães Rosa, ao recriar a relação do brasileiro com o catolicismo popular, reinventa a relação filosófica do homem com a religião. Para tanto, observa-se o desenvolvimento existencial de Nhô Augusto, de sua condição de homem violento e impetuoso, para uma nova situação de Augusto Matraga, de personalidade religiosa e resignada. Assim, este artigo detém-se em analisar como o protagonista gradativamente vai se desvinculando de códigos de honra nordestinos para incorporar uma postura filosófica universal sobre a relação entre a vida e a morte na trajetória humana. A base da reflexão deste artigo é a crença popular de que o momento da morte pode ser “a hora e a vez” da redenção de um homem, sendo abordada como o clímax da narração e de renovação da personagem. Pretende-se, portanto, verificar a trajetória de transformação existencial do protagonista, desde a circunstância de pré-morte até sua consolidação, para se compreender como a prosa de Guimarães Rosa transita de uma discussão local para uma global, quando aborda medos e anseios humanos.
A obra “Sagarana”, de Guimarães Rosa, torna-se singular à medida que suas as narrativas são constituídas de marcas particulares: linguagem, traços e marcas inerentes ao sertão mineiro. Fazendo abordagens a partir dos contos de “Sagarana”, o objetivo do presente texto é desenvolver algumas discussões sobre região, regionalidade, regionalismo e regional no campo da literatura, percebendo que cultura e identidade, bem como produções discursivas caracterizam, simbolicamente, uma região; reflexões possíveis a partir das contribuições de Arendt (2012), Barcia (2004), Bourdieu (1996), Certeau (1994), e Joachimsthaler (2009). No tocante aos contos, é possível qualificá-los como regionais, ao passo que transcendem aspectos como linguagem, léxico, visões de mundo, costumes e substratos míticos, constituindo traços pertencentes a uma região.
A partir da leitura atenta dos manuscritos de João Guimarães Rosa, percebe-se a presença das artes visuais como objeto de atenção do escritor. As citações de artistas, críticos e teóricos da área, além do papel da natureza como norteadora das relações humanas na obra de Rosa, propiciam uma discussão fecunda sobre a paisagem. Esta aparece como produto da percepção do sujeito e como reflexo de um processo ambivalente, em que se caracteriza a interação entre um sujeito perceptivo e o entorno que integra. Por fim, a partir dessas considerações, tem-se uma análise do conto ?O burrinho pedrês?.
Este ensaio analisa os contos de Sagarana, de João Guimarães Rosa, sob a perspectiva da religiosidade e da regionalidade. Pretende-se demonstrar como a religiosidade contribui para a construção das personagens e dos enredos, revelando traços de regionalidades sertanejas. Para tanto, são examinados nomes de personagens e as relações entre as tramas narrativas e as
representações de regionalidade. As observações fundamentam-se nos estudos de literatura, cultura e regionalidade.