Constatamos (1): uma primeira assimetria entre as idéias tradicionais e bastante difundidas de que, enquanto a filosofia, uma espécie de super-ciência das essências universais, segundo uma lógica-da-razão, visa “o Real” em seu sentido mais profundo e verdadeiro, a literatura se ocupa antes de certas fantasias regionais, segundo uma lógica-da-imaginação (para a qual não há, enfim, regras sistemáticas), satisfazendo-se com um mundo ficcional e apenas suficientemente verossímil. Bem: quem melhor espelha o real? Quero tentar inverter essa primeira assimetria apontando outra, que a relativiza. Pois constatamos também (2): um lugar onde podemos procurar algo parecido com um “pensamento brasileiro” ou com “o pensamento do Brasil sobre si mesmo” não pode ser de modo algum a filosofia, pois nesse campo, simplesmente, o objeto não existe (isto é, não existe nenhuma “filosofia do Brasil”, mas apenas alguma filosofia “no Brasil”, como todos sabemos muito bem). Enquanto nossa filosofia (sic) parece ser machadiana por excelência – pois ela, cética quanto a si mesma, não parece acreditar possuir uma “alma interior” autêntica: somos, ironicamente, “tropicalistas” e “antropofágicos” por convicção e/ou adesão (ou oportunismo), e nos satisfazemos com as roupagens conceituais que conseguimos imitar das línguas francesa, alemã ou inglesa (em suma), com as quais podemos apenas compor o quadro conveniente de nossa alma exterior, para as oportunidades de consumo local –, enquanto isso é a literatura que tem se empenhado em refletir nossa própria realidade, com maior ou menor competência, com maior ou menor fidelidade ou honestidade.
A originalidade e a especificidade da obra de J. G. Rosa residem em sua capacidade de dialogar com culturas e formas de expressão muito diversas. Esse diálogo não nivela as diferenças sociais e políticas, religiosas e nacionais, estéticas e éticas, porém lhes confere tensão dramática e permite vê-las em perspectivas inusitadas. Analisaremos alguns desses eixos a partir da análise de "O Espelho", conto que visa, para além do diálogo com Machado de Assis, uma reflexão sobre o realismo e o idealismo na literatura. Rosa inscreve sutilmente sua reflexão poética na tradição de Flaubert e Dostoiévski, de Goethe e Musil.
Esse artigo realiza uma leitura da representação do espelho nos contos
homônimos de Machado de Assis, Guimarães Rosa e José J. Veiga, a fim de evidenciar
a dicotomia entre instrumento do autoconhecimento e de afirmação da vaidade. Dessa
forma, no conto de Machado, o autoconhecimento conclui o caráter dominante da alma
exterior. Rosa desenvolve o resgate do ser escondido atrás das máscaras da aparência, a
definição da identidade pela alma interior. J. J. Veiga, por sua vez, desloca o foco
narrativo para o objeto, mostrando-o capaz de revelar a alma interior. Logo, considerase
que o espelho expõe o desdobramento do sujeito entre corpo e consciência de si.
Faculdade de Letras, Departamento de Letras Neolatinas
A pesquisa presente realça as variações das traduções franesas, de 1910 até 2004, de oito contos dos escritores brasileiros Machado de Assis e Guimarães Rosa. A partir de um corpus de oito contos (quatro de cada autor), confrontamos os trabalhos de doze tradutores, de acordo com a metodologia de Berman. Definimos, primeiramente, os problemas encontrados na tradução e na retradução, expondo suas principais teorias na França, do século XVI até os dias de hoje. Em seguida, estudamos as relações literárias França-Brasil e a recepção das obras brasileiras na França, assim como o "horizonte das traduções". Na segunda parte, apresentamos os "sistematismos" da escrita de Machado (a distância para com o realismo e a presença do narrador no texto) e os "intraduzíveis" de Guimarães Rosa (o particular e o universal bem como a língua recriada), mostrando como os tradutores resolveram esses "particularismos". Depois de ter apresentado os primeiros tradutores, que apresentam, geralmente, uma tendência "etnocêntrica" e estão sempre prontos para "naturalizar" a obra, e, em seguida os retradutores, com uma tendência "estrangeirizante" e "literalizante", investigamos, a partir dos textos, os seus "projetos de tradução", suas "éticas", suas "posições tradutivas" e suas "bibliotecas imaginárias". Enfim, comparamos nos dois autores a maneira como os aforismos, as expressões do popular e da loucura são traduzidos. Este trabalho mostra a variedade de tons e sentidos dados a um texto original, na medida em que cada tradutor materializa diferentes sentidos possíveis da obra faz com que ela tenda a ser retraduzida.
O objetivo deste trabalho foi mostrar a partir da metáfora do espelho caracterísicas pertinentes ao duplo em duas personagens literárias As personagens centrais que permitiram o exame das formas de manifestação do duplo perencem aos contos chamados O espelho um de Machado de Assis, autor do século XIX e outro de Guimarães Rosa, do século XX Para o estudo da questão do duplo apoiamos-nos nas idéias de vários teóricos A análise dos dois contos em relação á duplicidade baseou-se sobretudo nos princípios de polifonia e dialogia de Bakhtin Do ponto de vista da duplicidade na narrativa, a teoria de Piglia ofereceu especialmente elementos para o estudo do conto de Machado de Assis enquanto o de Guimarães Rosa foi analisado sob o olhar ensaístico tendo por base a teoria de Adorno a fim de relacionar o caráter prismático do ensaio com a questão do duplo. Esta pesquisa procurou desenvolver uma proposa de leitura nova para um tema ainda pouco esudado, portanto aberto a outras reflexões e aprofundamentos.
A Teoria e a Crítica da Literatura usualmente comparam a atividade dos textos poéticos àquela dos espelhos, considerando-os cópia ou refração de uma realidade dada. Desse modo, a fim de que se identifique como as representações se efetivam, parte-se de uma investigação da constituição do real e da dimensão que a linguagem ocupa em tal constituição. Este estudo visa a refletir sobre o conceito e o funcionamento da mímesis, a representação da realidade elaborada por textos literários, a partir de trechos e de obras em que o objeto espelho figura. Assim, especial referência se faz ao trabalho dos filósofos empiristas ingleses concretamente, a Locke, Berkeley e Hume; às investigações filológicas de Auerbach; às teorias da ficção de Bakhtin, Iser e Lima; e aos contos homônimos O Espelho de Machado de Assis e de Guimarães Rosa.
O que procuramos quando estamos diante do espelho? O faríamos diante de um espelho sem a imagem que esperaríamos encontrar? Na literatura isso é bastante recorrente. Este trabalho se ocupa com três exemplos nos quais não apenas a questão do espelho é discutida, mas a questão da perda do reflexo como questionamento do Ser. Nas obras homônimas “O Espelho”, de Machado de Assis e Guimarães Rosa, além de “O Reflexo Perdido” (Das Verlorene Spiegelbild) (1815), do escritor alemão E.T.A. Hoffmann, observamos a dinâmica dos espelhos enquanto questão. Na verdade, o percurso dos personagens aparecem no reflexo perdido de cada um: na ausência de suas imagens passam a questionar sua existência. É aí que então, cada um deles encara o seu desdobramento de uma maneira diferente, mas todos através do diálogo. Note-se que quando os personagens perdem seus reflexos, o real, que se dá como realização de mundo, sentido e verdade, se perde. E o que vem a ser mundo sentido e verdade? São questões, e como tais, se manifestam enquanto se retraem tornando-se assim necessária a busca, o percurso. O mundo é a realidade se dando como sentido e quando isso é rompido, este se perde. Diante do espelho o homem se vê um monstro ou uma imagem desfigurada, ou não se vê. Essa quebra de seu mundo, que é aquilo que ele tem por verdade, de repente se esvai, e assim se abre a questão do que é mundo, sentido e verdade, e o que é o homem diante de tudo isso.
Em “O espelho”, de Machado de Assis, há duas narrativas e duas vozes: um
narrador onisciente que conta a história de um encontro de amigos, em uma sala; e o outro, o
narrador-personagem Jacobina, que faz parte desse encontro e relata um acontecimento do qual
participa, de uma teoria – a da duplicidade humana. Relata sua luta para provar a falta de lógica
e de sentido do mundo, tema comum nos contos machadianos, nos quais vários personagens
extrapolam o limite da normalidade. O conto traz algo de vertiginoso e encantador; o efeito
especular – o mise em abyme; anuncia aquilo que nele se concretiza, como se o discurso se
projetasse em profundidade, como uma cascata. Tal artifício reflete o espaço representado,
encaixando uma micronarrativa em outra ainda maior. Nesse contexto, Machado de Assis
confronta os níveis narrativos, ao colocar Jacobina como narrador-voyeur e peça principal da
bipolaridade da narrativa. Dá-se aí a techné machadiana, representada, durante todo o jogo do
conto, pela narrativa dentro da narrativa, e pela dualidade, que se inicia no momento em que
Jacobina dá indícios de que não há uma só alma, mas duas, apresentando a metáfora da laranja,
a separação da vida em duas metades.
Atenção! Este site não hospeda os textos integrais dos registros bibliográficos aqui referenciados. Para alguns deles, no entanto, acrescentamos a opção "Visualizar/Download", que remete aos sites oficiais em que eles estão disponibilizados.